Antigua, cidade património mundial e antiga capital da Guatemala, é o primeiro lugar onde chego nesta viagem onde se pode observar turismo em massa. É um lugar bonito, mas onde é difícil sentir contacto com as raízes locais, tal o volume de lojas e cafés e restaurantes que podiam ter saído directamente da baixa de uma qualquer cidade europeia. Sendo interessante q.b., passeio um dia pela cidade e aproveito, entre outras coisas, as várias livrarias que aí existem e que trocam e vendem livros, para recompor o meu stock de leituras (é difícil arranjar livros nestas paragens, excepto em cidades grandes ou locais mais turísticos, as duas coisas que tento evitar no meu itinerário). Na manhã seguinte, parto rumo ao Lago Atitlán.
Para chegar ao Atitlán, é muito mais rápido e nem por isso mais caro comprar bilhete num shuttle, uma carrinha cheia de turistas que me deixará em Panajachel, a principal vila nas margens do lago, em duas horas e meia. Pela primeira vez, decido não apanhar um transporte público - uma das melhores formas de se conhecer um país - e opto por viajar num destes veículos apinhados de turistas. Será uma das piores decisões que até agora tomei.
O dia está chuvoso, nublado, pardacento. Dentro da carrinha, 15 pessoas. Como chove, as mochilas também vão lá dentro, o que deixa o espaço ainda mais limitado, bem mais do que em todos os "chicken buses" em que andei até agora. A estrada alterna entre curvas e contracurvas e a passagem por povoações onde é necessário abrandar. O condutor lá deve saber o que faz, mas a sua forma de conduzir deixa antever que não parece perceber muito de mudanças e caixas de velocidades. É um constante abrandar e arrancar, o que faz com que avancemos aos repelões. A meio da viagem, uma hora depois de termos partido, já sei que algo não vai correr bem. Começa por ser uma ligeira tontura, depois um mal-estar geral. De seguida, o estômago parece que se incendeia, sinto-o como se tivesse engolido farpas. Fecho os olhos, estou enjoado, mas penso que é apenas isso, enjôo. Abro uma janela e deixo que o ar me bata no rosto. Aceito as circunstâncias e deixo o corpo balancear com os puxões que a carrinha dá sobre o asfalto, um truque que aprendi ao andar de jipe no deserto. Todavia, há neste caso duas circunstâncias que nao se verificaram então. A primeira é o facto de estarmos nas montanhas, ou seja, em altitude. A segunda é a casualidade de não ter almoçado antes de partir. A altitude, o enjôo e a fraqueza sao uma poderosa conjugação de factores. Do enjôo passo a fortes tonturas e não muito tempo depois deixo de sentir as pernas, os braços estão dormentes e mal os consigo mover. Sei que vou desmaiar, pressinto-o. A meu lado, uma pilha de mochilas serve-me de almofada ao corpo que deixo cair sem esforço. Ouço alguém gritar ao condutor para que páre. A porta da carrinha abre-se e dizem-me para sair. Demoro algum tempo a fazê-lo. Curiosa esta sensação, a cabeça dizendo uma coisa e o corpo incapaz de a fazer. Quando finalmente saio, a natureza brinda-me com o ar fresco da montanha e com a chuva que deixo cair sobre o rosto, o pescoço, o corpo todo. Recupero um mínimo de forças e começo a caminhar, afastando-me da carrinha. Não quero saber, quero apenas respirar esta pureza, sentir a água escorrer-me pela cara. Um dos passageiros vem ter comigo e pergunta-me se já estou melhor. Estou. Voltamos para a carrinha. Felizmente a viagem dura só mais quinze minutos.
1 comentário:
Curiosa semelhança de indisposição física que também passei antes de precisamente me deparar com um banho de cores, sons e cheiros de uma civilização diferente...como se antes de entrarmos numa outra etapa da nossa viagem tivessemos de algum modo de nos purgar pela vertigem e nausea de algo que em nós ficou de travessias anteriores.
Enviar um comentário