quinta-feira, dezembro 31

O fim da história que continua

Hoje é dia 31 de Dezembro de 2009. Não surpreende, portanto, que por toda a parte sucedam as crónicas, os balanços, as histórias, as figuras, enfim, tudo o que directa ou indirectamente gravou o seu nome na década que agora finda. O exercício não é original, mas nem por isso deixa de ser proveitoso. E global. Não há país ou aldeia que não se dedique a saber afinal que coisa foi esta que passou nestes últimos dez anos. Já se sabe que opiniões são para dividir e consensos são para procurar, não obter. Ainda assim, do que li e observei, poderia retirar duas palavras-chave: zero e terrorismo. Resumidamente, passo a explicar.

A primeira, zero, segue não só dos números mas também desta assunção mais ou menos geral: não avançámos grande coisa. Dez anos passaram, mas o que aumentou mais que o tempo foram os problemas. Ele foi crises e greves e guerras, para não falar do ambiente e do aumento dos divórcios e do declínio dos valores. Seja como for, zero é porque parece que a humanidade se esqueceu de evoluir. Mas ainda assim zero também é neutro. Ou pelo menos não chega a ser negativo. Fica a expectativa para o que aí vem.

A segunda, terrorismo, segue de uma incontornável evidência: 11 de Setembro de 2001. Dá a impressão que quase tudo o que daí para a frente se passou foi uma consequência do ataque ao World Trade Center em Nova Iorque. E um nome fica também para sempre ligado a tudo isto, quer se queira quer não: George W. Bush. Mas ainda assim, é bom lembrar que a década termina com um Nobel da Paz sentado na Sala Oval. Como diz o outro, a ver vamos.

Posto isto, não interessa alongar-me aqui muito sobre opiniões e factos. A década foi o que foi. E mais nada. Termino antes aproveitando uma ideia da revista New Yorker. A conceituada revista nova-iorquina pediu aos seus colaboradores que seleccionassem o momento da década ao mesmo tempo que apontavam a sua maior expectativa para a década que aí vem. Ora, eu, que passo o ano em casa junto dos meus, resolvi perguntar à juventude que por cá habita a mesma coisa. O que se segue é então os depoimentos da miudagem, todas com idades abaixo dos dezoito anos. Atentem bem, pois, no que se passou entre o zero e o terrorismo e pelo que a canalha torce para o que há-de vir.

C. L., 18 anos:

Entre os 8 e os 18, escolho dois momentos: o meu primeiro namorado e a minha primeira saída à noite. O que espero é conseguir entrar no mundo dos adultos. E em grande.

B. L., 16 anos

O mais marcante da década também foram dois momentos: a viagem à Eurodisney em Paris e a ida ao Rock in Rio. O que espero é terminar o secundário com média suficiente para fazer o que quero fazer. Mas o que queria mesmo era ir ao parque temático do Harry Potter na Flórida.

J. B., 13 anos

O grande momento da década foi os nascimentos dos meus três irmãos. O que quero para a próxima é simples: comprar as botas supergiras que sempre quis e ir aos saldos algures nos Estados Unidos.

S. L., 12 anos

Houve muita coisa, mas nada supera a viagem à Tunísia em que quiseram trocar a minha irmã por um camelo. Para o que aí vem, a maior expectativa é ir à Disneyland na Flórida.

E pronto. Foi assim o decénio, há-de ser o que quisermos e conseguirmos. Se parece pouco, aí fica então a expectativa final da mais jovem de todas, a minha avó de 81 anos: que sejam felizes.

terça-feira, dezembro 29

De Portugal, da pobreza, da tristeza e da perspectiva

Hoje, no já tão afamado jornal i, li uma frase que não me surpreendeu. Não foi surpresa, mas foi suficiente para dar um empurrão ao presente texto. Mais a mais, porque não foi escrita por um jornalista ou cronista ou chamado “opinion maker”. É a frase de um leitor. Manuel Dias Martins escreve do Alandroal para falar de avós e netos, do Natal e das coisas que realmente importam. Gostei de ler a sua carta, mas a frase nela que me prendeu a atenção foi uma que podia ter escutado em qualquer tasco, café ou autocarro da minha cidade. Diz ele, a propósito dos netos, que até consegue acreditar que há Natal e uma esperança para o nosso pobre e triste país. Ora, pensará não o leitor da presente crónica, qual é a novidade? Nenhuma, pois claro, mas aí mesmo reside o motivo de interesse. Como já todos lemos esta frase milhares de vezes e a ouvimos pelo menos outras tantas, vale a pena pelo menos escrever um pouco sobre ela.
Este texto é um artigo de opinião, de reflexão, de impressão. Logo, não me vou socorrer de referências sociológicas de fundo ou de quaisquer outras manhas académicas. A questão é: Portugal é um país pobre e triste? Resposta: não, sim, e depende. Assim também eu, responder é fácil, dirá o leitor. Está bem, mas dizer que uma coisa é um adjectivo qualquer pressupõe sempre alguma forma de comparação. Sobretudo nestes casos de orgulho nacional. Então, sim, Portugal é pobre, se o compararmos com a Inglaterra, mas um paraíso de modernidade social se comparado com as Honduras. Um país triste se outra vez comparado com as Honduras, mas bem mais alegre que os ingleses, excepto se estes estiverem de férias no Algarve ou com os copos, o que vem a dar ao mesmo. Então, depende. Mas o que interessa é o que todos sabemos: de um modo geral, os portugueses acham-se pobres e tristes. Pior, sentem-se pobres e tristes. A questão é pois outra: porque se sentem assim os portugueses? As respostas podem variar, mas antecipo já as mais prováveis que qualquer português médio me diria de imediato. Homem, diriam eles, pois porque é precisamente isso mesmo que são. Pobres e tristes. Ó Chico esperto, deves julgar que a vida está fácil. Não deves é ir ao supermercado. (isto é só doutores, esses é que a levam bem. Por isso é que este país não vai para a frente.). E por aí afora. Seja como for, a resposta standard ficaria sustentada algures a meio caminho entre um raio-x da realidade e uma convicção cultural generalizada.
Pois. Mas já aqui se falou de comparações. A verdade é que, se são pobres e tristes, os portugueses não são assim tão pobres nem assim tão tristes. Podia ser pior. E há trinta, quarenta anos atrás pior era concerteza. (não se admitem aqui vagas teorias defensoras do salazarismo por as mesmas poderem ofender a integridade moral da maioria da população portuguesa com mais de cinquenta anos.) Então, estando mal, mas não estando tão mal assim, onde é que está o problema? O problema está aí mesmo, no mal. É sempre para aí que olhamos. Há-de reparar, caro leitor, quantas vezes no seu trabalho, ou mesmo em casa, para não falar dos jornais, ouve ou lê coisas com carga positiva? Deixo a resposta à consideração. Entenda-se: não estou a tentar pintar o país de cor-de-rosa. Nem duvido de tudo quanto está mal. O sentido da presente crónica não é esse. É antes tentar ver a coisa de uma perspectiva diferente. Por exemplo, já reparou que a frase do leitor Manuel também tem lá dentro a palavra esperança? Reparou? Pode ser que ainda não tenhamos batido no fundo.

segunda-feira, dezembro 28

De Bicicletas e Memórias


(texto lido a propósito do lançamento do livro Bicicletas para Memórias e Invenções 5 – colectânea de contos dos alunos da Companhia do Eu)



A primeira paixão que perdi foi o Verão. Acabava. Os dias cada vez mais curtos, Outubro cada vez mais perto e o calor escorrendo como a areia que desaparecia por baixo das marés vivas. O tempo também acabava e com o fim vinham os comboios a caminho do Rossio e o trânsito parado na avenida. O Verão acabava e a bicicleta ficava lá, no Alentejo. Com a bicicleta ficavam também as gargalhadas dos amigos e o vento que me batia no rosto antes da cozinha da minha avó. A bicicleta ficava lá, encostada à parede e o que trazia comigo eram as saudades da liberdade.

(o cheiro quente da casa, a água do rio que se fazia sal por cima da pele.)

A primeira paixão que venci foi o Verão. Voltava. Os dias cada vez mais largos e a ansiedade das ondas e dos risos soltos no ar do cais. Então, entendi a sorte de me ser. Ter uma paixão que sempre termina, mas sempre volta. Como uma mulher que nos abraça e nos solta e segue abraçando-nos mesmo quando nos solta. A bicicleta também voltava e assim era que nunca paixão alguma se sobrepunha ao refúgio do vento.

A bicicleta e o Verão eram os sinónimos da minha casa. A liberdade de correr o mundo às gargalhadas e de regressar sempre ao cheiro quente do Alentejo.

segunda-feira, dezembro 7

Come back kid

Parece que de dois em dois meses, lá venho eu outra vez. Vamos a ver se nos entendemos: não estou zangado com a escrita, não estou aborrecido com o estado geral da nação, nem se trata de não encontrar motivos para escrever. O motivo é bem mais simples e corriqueiro. Pois, é a preguiça. Vá, também posso dizer que não tenho tido muito tempo para me dedicar a isto das letras e muito menos ao universo blogarístico. Ele é o trabalho, a miudagem, a família, a namorada... (esperem, isto soou mal. Analisando gramaticalmente a frase poder-se-ia argumentar a favor de uma elipse e logo que a mesma esconde a afirmação "ele é a namorada". Ora, nesse caso, quero dizer que o eu autor não subscreve todas as afirmações do eu narrativo.)
Voltando ao que interessa, o tempo raramente serve de desculpa. Ainda agora estou para aqui às voltas a preparar mais uma apresentação académica e mesmo assim toma lá dois dedos de linhas. Não me tem apetecido, é o que é. E hoje apeteceu-me.
"Apeteceu-me escrever" é uma daquelas declarações de quase anti-profissionalismo. A escrita não é de apetites. É coisa de muito trabalho e dedicação, coisa para suar e para nunca desistir. Sendo assim, resta-me antes declarar mais respeitinho pela senhora, isto é, pela escrita. Prometo pois que hei-de cá estar mais vezes. Se não voltar entretanto, já sabem: vemo-nos daqui a dois meses.

segunda-feira, outubro 5

Escrever sobre quê?

Hoje acordei a pensar que dois meses são demais. Dois meses de silêncio, nem uma linha que se veja na amostra do ciberespaço blogarístico. Então vai daí, toca de levantar o corpo depois da ressaca da noite e vir para o computador escrever qualquer coisita que ainda possa alegrar o dia.

Mas, escrever sobre quê? O país está em stand-by, toda a gente à espera do que Sócrates vai fazer enquanto Cavaco perscruta incessantemente o seu próprio ciberespaço. E Manuela, será que fica, será que vai? Resistirá Portas ao peso de dois ou três submarinos? Louçã e Jerónimo poderão algum dia ser amigos? Não, não é sinopse nem marketing de telenovela. É o país real e por isso mesmo, escrever sobre quê?

O Benfica vai de vento em popa, mas quase toda a gente sabe que sou do Sporting, por isso futebol nem falar, quanto mais escrever.

Passemos à filosofia de circunstância, portanto. A crise de valores, os divórcios em barda, as famílias disfuncionais e as palmadas pedagógicas. Toda a gente tem um amigo que tem uma amiga que se separou e toda a gente tem uma amiga que tem um amigo com um filho com problemas na escola ou um amigo com uma filha numa escola com problemas. Ou então ninguém tem amigos. Li no outro dia no jornal que os portugueses estão cada vez mais sós, que existem cada vez mais e mais jovens a viverem sozinhos. Posto isto, a crise de valores é relativa, na medida em que para que um valor tenha importância é necessário que um ser humano aja sobre outro e há cada vez menos interacção entre as pessoas. E esta é uma péssima conclusão, mas não deixa de ser filosofia de circunstância.

Então, dizem, e a literatura? Que é da poesia e da prosa estilística em tom autobiográfico? Afinal, tem sido essa uma das pedras de toque essenciais deste blog e, numa sondagem não encomendada pela Universidade Católica, seriam esses textos que a maioria provavelmente referiria como os que mais lêem neste nicho de ciberespaço pessoal. Pois. Mas, que querem? Ando pragmático demais, pouco dado aos devaneios necessários à ficção sentimental. É da vida. Tanto para fazer e tão pouco tempo. O trabalho e as farras são um equilíbrio difícil de manter, mais a mais são coisas que nos sugam demasiado para dentro da vida real.

Em conclusão, sou capaz de escrever sobre coisa nenhuma. Não é assim tão difícil encher uma página A4 com uma série de considerações que não fazem mais que partilhar a angústia do escritor em branco. E vá lá, não se queixem – não sei sobre que escreva, mas sempre têm qualquer coisita que se leia.

terça-feira, agosto 11

Capítulo Terceiro

Eugénia discute com o marido. Discutem todos os dias, mesmo antes de fazerem amor. Todos os dias os gritos e impropérios, as promessas de se desamarem para sempre. E depois o suor, o gosto do peito e a certeza de que ainda não é desta que a vida se acaba. Não se lembram se foram sempre assim, nem se recordam de algum dia terem sido diferentes. Ela, de avental e depois da praça e do peixe; ele, de camisa aberta até ao umbigo e calças enroladas por cima dos joelhos, a boca que cheira a rede e a lodo. E todos os dias, Eugénia esperando o marido, António Manuel Charrinho, Tó Fateixa para os companheiros de mar alto.

(certa vez, dizem, certa vez ficou de pé preso na fateixa e foi ao fundo com o ferro em plena tempestade na barra. Esteve oito minutos debaixo de água antes de voltar à superfície, o corpo quase exangue e o peito respirando a custo. Ninguém, nem o Tó Fateixa, sabe como foi que se soltou da morte. Dizem que foi um anjo.)

Só que hoje Eugénia não foi para a praça. Está farta de enganos. Casou fez anteontem vinte anos. Dezanove anos, portanto, tinha Eugénia quando se deixou prender de amores por um homem seis anos mais velho, a pele então como hoje feita em rugas pelo sol e pelo sal da maré vaza. Eugénia contra a vontade do pai e das irmãs e hoje a pensar porquê. Hoje pensa que há-de vingar-se.

(a brasileira, a galdéria de perna feita a ver se fila os homens junto às redes do cais, mesmo à saída das traineiras que voltam da faina.)

Eugénia aqui. Tó Fateixa subindo a rua, a casa quieta em prenúncio de desgraça. Sentem os dois o cheiro do mar que se agarra ao vento da manhã. Eugénia aqui. Sabe que o coração já não é só seu. Não é só seu o corpo que vem subindo a rua, o cambalear ligeiro do vinho que se mistura com o gosto das redes e do lodo. À espera, junto à porta de ferro e vidro grosso, Eugénia encostada na porta capaz de esconder segredos. Porta aberta aguardando a chegada da vingança.

Eugénia ouve-lhe os passos, primeiro, depois a respiração e o cheiro do perfume barato escondido pelo suor do mar. Tó Fateixa encosta a mão na parede da casa e sente-a quente, o branco da cal lembrando o dia passado longe da terra. Vê a porta e pára antes do primeiro passo. Estranha a porta assim, escancarada madrugada adentro, um convite à maldade dos homens.

(onde está a mulher? Mulher, onde estás?)

Mas a casa quieta, um sossego de silêncio preso nas redes e no lodo. Tó Fateixa é homem de mar, conhece a calma antes da tempestade, este silêncio que lhe aguça os sentidos. Só que Tó Fateixa não quer acreditar. Esta é a sua casa, o seu lugar, a mulher que é também sua, a dona do coração sem corpo. Vai devagar, mas quando dá o passo que o traz dentro da casa

(a sua casa. Lembra-se da noite primeira, o casamento e o cheiro de Eugénia a redes e conchas e nesse instante talvez Tó tenha dito de si para si talvez seja isto o amor.)

quando dá o passo que o traz dentro da casa é tarde demais. A porta já não tem segredos, corre para ele com um estrondo. O vidro e o ferro invadem-lhe a pele numa desilusão de sentidos. Tó Fateixa ainda vai a tempo de escutar a gargalhada de Eugénia que chora.

(filha da puta, que me matas!)

Lá fora é madrugada ainda e é ainda o silêncio. Mas Eugénia só coração.

terça-feira, agosto 4

Retrato de um coração

Ontem choveu. E porque ontem choveu, vejo daqui o campo transpirando verde. O vapor na lonjura é o hálito da madrugada, o campo que canta alvoradas de silêncio.

Vejo daqui o campo e vejo que ontem choveu porque não chove já. Ao fundo, na linha do céu, o campo fita-me na quietude dos moinhos sem vento. Está tão sossegado o ar que se Quixote aqui estivesse não teria com quem lutar. Só o verde do campo me anuncia as lágrimas escorridas das nuvens. Olho este verde e lembro que outrora esta terra foi minha, que aqui encontrei o amor, que neste lugar foi que para sempre esqueci o medo. Que foi este o lugar do incêndio, o lugar do fogo que apagou o verde. Não este, mas outro, feito de ventos saltando por cima das árvores, feito de gritos caídos do céu sem lágrimas.

Só que esse tempo passou. E agora apenas este verde calmo e ao centro do verde o vermelho que se vê de noite, um ribeiro que nunca se confunde com o céu. É o meu sangue. Ficou do coração que um dia morreu sobre este campo. Depois do medo para sempre esquecido, depois do verde para sempre apagado pelo fogo.

Olho o campo e do fundo do campo vem a voz. Vem o grito que faz nascer o sol. É a voz da mulher que passa e grita que é louca e diz que importa que ontem tenha chovido. Chega perto da janela e o vestido amarelo colado nas coxas desperta o desejo de me ver enfim sem o fogo que apagou o verde. A voz tem o cabelo agarrado à face pela água que ontem escorreu como lágrima. E grita e volta a gritar que importa que tenha chovido, que importa o fogo, para que quer o universo saber do rio de sangue correndo onde outrora havia um coração. A voz ri alto e ri à gargalhada e da janela vejo o sol inchar como se prendesse a respiração. A mulher cola-me a face às coxas e o cheiro do sexo levanta o vapor da madrugada. O verde perde-se no amarelo vivo que vem do sol e se despenha no vestido da mulher. A voz. O incêndio. A chuva. Que importa todo este silêncio?

(o meu coração onde está? não o encontro nas coxas da mulher e o rio correndo vermelho ainda por cima do verde apagado pelo fogo.)

(o coração que morra, deixá-lo morrer!)

A voz grita, grita o vestido e o sol a inchar, a inchar e já não consigo ver o campo, apenas o cheiro do sexo saltando por cima das árvores, sem o coração para sempre morto na torreira do sol. O sol que explode e inunda a janela de chamas. Outra vez o fogo. A voz rindo, gritando alto até se extinguir no silêncio, o verde que há-de voltar a nascer e há-de voltar a morrer. E o campo a procurar o coração, sem saber que se perdeu por entre os gritos.

quinta-feira, julho 30

Pediram-me que escrevesse sobre o Alentejo

Pediram-me que escrevesse sobre o Alentejo. Queriam que falasse dos montes ao fundo do horizonte que são ondas de mar ao princípio da terra. Que enchesse de tinta as planícies entrecortadas de fogo. Disseram-me que escrevesse sobre o Alentejo, que pusesse no papel a imagem do infinito onde uma só árvore habita o final da tarde. Loucos. Não entendem que o Alentejo é silêncio, não é palavra. É a música que toca baixinho na ausência da voz. O Alentejo, disseram-me. Pinta o calor sobre as páginas de um caderno, canta o vento solto, a quimera eterna de homens e mulheres no caminho para casa. E gritam e riem e pedem-me que escreva sobre o Alentejo porque querem sentir a força da terra feita na palavra. Loucos. Não entendem que o Alentejo é para se viver e para se morrer. O Alentejo não se escreve.

segunda-feira, julho 20

Consideração sobre o tempo em momento de decisão

O cabelo agarra-se-lhe ao pescoço no suor da espera. Nada tem senão a companhia dos objectos. A mala verde grande pousada como um corpo inerte, enrugada pelo peso que a traz ao chão. Sobre o tampo da mesa, o caderno de notas preto é antes uma tábua de palavras feitas de silêncios. O silêncio do telefone que ela ergue e volta a pousar num ápice de esperança.
(quem espera desespera, dizia o outro. e este idiota que não me diz nada. quem me dera ser o tempo e poder correr, ser eu no meu corpo a dona do tempo e fazer dele um movimento repentino.)
Nada. Estica as pernas por baixo da mesa e as pontas dos dedos lembram bailarinas em exercícios de equilíbrio. As pontas dos dedos que se agitam na desesperança da espera que não encontra o fim ao tempo. E nada. Suspira uma e outra vez, os dedos pousados nos lábios que procuram o dia em que alguém os beije.
(beijou-me uma vez e jurou-me que agora nunca mais. nunca mais a ausência e a incerteza de não ver repetido o beijo. este idiota que não me telefona, que não se lembra que estou aqui ao fim do mundo, à espera de o ver chegar.)
Suspira e então, no assopro dos pulmões, vem-lhe outra vez a vontade de ser mulher. Chega a mão à mala e arranca-a do chão. A cadeira bate com um sopro. O telefone fechado no silêncio, adivinhando o grito que o há-de trazer de volta a casa.
(não espero mais, não espero mais. onde está a vida? sou o tempo, não espero mais. corro na vontade que é minha. quero lá saber do silêncio. o tempo sou eu.)
Hesita. Detém-se um instante, a ver o que a pudesse ter esquecido, a ver se esqueceu o que nunca mais pode lembrar. Nada. A porta abre-se com um estrondo. É o tempo.

sexta-feira, julho 17

O Cheiro

Havia sempre qualquer coisa ao lume. A cozinha era branca e não tinha tecto. As paredes eram as escadas que subiam até ao terraço onde estava o sol, o mar e o fogo de artifício nas noites de Agosto. O cheiro era a minha avó de avental cinzento inclinada sob o fogão minúsculo que ardia sem fumo.

A praia durava todo o dia e quando voltava já a noite se debatia com o céu cada vez menos azul. Chegava a casa de lábios roxos e o corpo frio das ondas tardias. Só havia um chuveiro e era impensável chegar à mesa coberto de sal e de cheiro do sal. Então havia que esperar que o irmão mais velho sacudisse do corpo os restos de mar.

(ele primeiro, sempre primeiro. os irmãos mais novos não sabem passar à frente.)

O corpo mais frio sentava-se no meio das vozes da cozinha, as conversas dos adultos e a confusão de ser feliz só porque sim. As vozes e o cheiro quente que vinha dos tachos e do lume e das mãos da minha avó era o calor que aliviava a espera.

quarta-feira, julho 8

Feridas

Não sei de acontecimento algum que seja uma ferida. Na vida, já se sabe, o primeiro que se lhe conhece é a morte. O final de um beijo, o soltar de um abraço, um amor para sempre que parte, um velho avô que prende a respiração na eternidade. Há as casas, os lugares. Há sobretudo as pessoas, os outros como nós que também partem e que também nos deixam e soltam com o fim de um abraço. Só que na vida não sei de nada que seja ferida. Antes alegria, antes tristeza. O sofrimento e o encontro com a serenidade.
A vida é cornucópia de Deus, tem tudo lá dentro multiplicado por cem milhões. E há as feridas. Mas as feridas são a vida e não sei de vida alguma que não tenha Deus. Então tudo é porque tem de ser. Como uma viagem. Um instante mínimo em que por um segundo se perde um barco, um autocarro, um comboio que nos havia de levar para um qualquer lugar. Às vezes ficamos, às vezes vamos. Às vezes morremos porque há vezes em que renascemos e vivemos. Mas tudo é viagem, tudo é caminho certo e exacto que temos mesmo de percorrer. As feridas são o tempo que nos leva a aceitar esse segundo em que tudo muda para sempre.

domingo, junho 28

Cruzamento

O homem simpático passava pela mesma rua da mulher violenta. Saíam os dois à mesma hora de casa, os dois subindo o mesmo passeio em direcção ao mesmo edifício. Que dia lindo, pensava o homem; vida de merda, murmurava a mulher.

O homem simpático não usava óculos nem tinha um ar cândido, mas era assim dado a modos de franzino. A mulher usava óculos por cima da pele seca e do rosto branco, olhos azuis e redondos.

O homem, por ser franzino e por ser simpático, seguia cumprimentando toda a gente, floristas e lojistas por igual, gente que o conhecia pelo sorriso. Bom dia, dona Lena, então essas rosas, dona Letícia.

A mulher, por ser seca e por não ser simpática, olhava os decotes da Dona Lena e da Dona Letícia e pensava grandes lambisgóias, não devem é ter em casa homem que vos dê assistência.

Subiam ambos a rua e se fosse o caso de chover, o homem abria o seu guarda-chuva e dizia de si para si que tristeza não poder hoje cumprimentar as gentes, ao menos que todos estejam recolhidos, bem merece abrigo este povo tão prestável. Já a mulher, chovendo, chovia ainda mais, as lágrimas quase nos olhos da raiva que sentia por o dia não ajudar.

(que nojeira de passeio, se apanho o sacana que poliu as pedras da calçada juro que lhe dou cabo das ventas)

Um dia, o homem simpático cruzou-se com a mulher violenta à porta do mesmo edifício onde trabalhavam. Ele cumprimentou-a com um ligeiro aceno e de sorriso feito. Ela mandou-o à fava, mas sem dizer. O homem foi até aos elevadores, entrou num deles e carregou no botão. 15, o último piso, residência da administração. A mulher foi até à porta ao lado das escadas e tirou lá de dentro o balde e a esfregona. O homem entrou no gabinete, sentou-se na cadeira de pele e olhou a cidade que lhe pertencia. A mulher pegou na garrafa da lixívia e verteu-a para o balde. Sentiu o cheiro acre do químico e lembrou-lhe o cheiro do hospital, os longos corredores que todos os dias percorria até à cama 21. Chorou um pouco mais, à pressa para não dar parte de fraca, mundo tão estranho.

(que filho este, Deus quem te daria o condão dos meus pecados?)

Lá em cima, quase quase no céu, o homem reclinou um pouco mais o cadeirão e sorveu devagar o café amargo mas que não sabia a lixívia. O travo seco da cafeína trouxe-lhe à memória a tarde em que conhecera a mulher dos seus sonhos, a mulher de sempre que o aguardava ao fim do dia. sorriu de si para si e nunca mais se lembrou da mulher violenta que ainda agora limpava o chão que ele tão simpaticamente pisara.

sexta-feira, junho 19

Instantâneo de uma qualquer história de amor

A camisa fina cola-se-lhe ao corpo e Manuel tem vontade de a rasgar. O calor aperta, sente-se na pele por entre o suor seco que o incomoda como se fosse cócegas que a camisa lhe faz. Cheira a pó e a vento e a vacas, esta camisa que Manuel vestiu faz hoje sete dias. Sete dias a caminhar por estas planícies de deserto, sete dias sem encontrar uma voz, apenas o mugir das vacas que o seguem e perseguem.

Manuel cruza o alpendre da casa e quando entra sente a frescura e o cheiro do picante que lhe aviva os sentidos. Escuta a voz da mulher e adivinha o sabor da carne e do tomate e do feijão, aquele sabor que só a mulher lhe traz, o calor que arde até ao céu da boca, até ao azul por cima do mundo. Manuel sorri e seu sorriso é antes gargalhada. O gosto do regresso e a frescura da casa quase o fazem esquecer a camisa que agora rasga finalmente. Finalmente a pele, o sabor quente que é mais da mulher que do tempo.

(sete dias sem encontrar uma voz)

Lucia corre a beijá-lo, abraça-o com a força do desejo e o que Manuel sente é antes o gosto das amoras que se lhe cola aos lábios. Manuel inebriado à procura do equilíbrio, mas a terra girando ao som da voz da mulher.

(porquê o tempo, meu amor, porquê os dias todos nesta camisa)

Manuel sabe do bâton, as amoras doces e a voz saboreada por todos os que como ele cruzam e cruzaram o alpendre e a frescura da casa. Manuel sufoca entre as pernas de Lucia enquanto o vestido e a camisa lhe fazem crer que são antes as vacas que cheiram a feijão e que o vento e o pó têm o aroma de perfume, de amoras, de carne.

(caio em ti, meu amor, a água branca colada na pele)

Manuel e Lucia seguem confusos, mas sabem que as mãos não os enganam, que a pele que tocam é a mesma que tantas vezes se incendiou na frescura da casa, os dois cegos pelo desejo e pelas gargalhadas que se perdem por entre o vento e o pó.

Espaço


O espaço é vazio, mas tem cor. O espaço tem a cor da liberdade, a cor de podermos correr ao sabor da música de nós mesmos. Saltamos para o vazio e somos outra vez crianças, longe dos quotidianos que outros fabricaram por nós. O espaço é vazio, mas tem lá dentro a cor do mundo para que o possamos percorrer a pé.

domingo, maio 24

Lisboa abandona António

António era de Lisboa. António era Lisboa. Todos os dias, descia as escadas de madeira podre e desembocava na Rua da Madalena mesmo a tempo de ver nascer o dia. Àquela hora a hora era de mais uma madrugada, gaivotas e o chão molhado, Lisboa bocejando depois de mais uma noite mal dormida. António descia as escadas, o chapéu cinzento na mão enrugada e os pêlos brancos presos no queixo antes da navalha do Gomes, barbeiro do Borratém, lhes cortar a esperança de crescer. Como António, aqui nascido e criado, marinheiros e prostitutas e gente vinda de toda a parte e agora os ingleses de olhar aberto como se Lisboa existisse desde ontem. António não tem em si a esperança mas a modorra dos dias iguais, a certeza segura que encontra na calçada da Rua da Madalena e no chapéu cinzento que deixa cair sobre a cabeça lisa e desgrenhada.

António vai devagar. O passo leve até ao Martim Moniz, a espera, o café do Ruço que só abre às sete e meia. Uma carcaça e um galão.

(o médico diz que o leite é bom. é bom para os ossos, não importa as dores de barriga)

Depois, outra vez a praça, a manhã crescendo no olhar de António e Lisboa abraçando-o com o sol.

(como vai o velho amigo?)

Só que hoje Lisboa não está para o aturar. Tem em si o frenesim das grandes capitais, quer o sol mas também quer a lua e grita e diz que a manhã não passa, que o tempo não passa, que quer a noite e se a noite não chega jura que há-de matar o velho. O chapéu cinzento e a barba ainda por fazer, sempre igual e todos os dias Lisboa tem de o abraçar e todos os dias Lisboa tem de lhe lembrar que a vida é um tédio e que se não fosse Lisboa já o velho não seria nada.

(parece que se chama António, Lisboa lembra-se de o ver nascer num tempo em que ainda sentia carroças e cavalos correndo sobre si)

Lisboa tem em si a agitação de não saber o que lhe há-de suceder mas de quem sabe que algo lhe há-de suceder. Sente o coração estalar por baixo das águas e tem a impressão que ou desata a chorar e se inunda nas margens ou começa a rir e se deixa levar pela cacofonia dos ares. É isto que Lisboa sente antes de se abrir em golfadas que a fazem sentir-se por dentro, as entranhas respirando e o corpo crescendo e o corpo arfando, Lisboa chora e ri ao mesmo tempo, vê a gente correndo louca e o ruído que se não cala. Lisboa vai-se afundando nas águas, mas fica muda de espanto quando vê o velho.

De corpo quieto, o chapéu sobre a calçada, António impávido nas suas certezas, nos seus lugares de sempre, indiferente à Lisboa que treme e chora e ri antes de se afundar nas águas.

terça-feira, maio 19

Diários de uma moeda ao ar 6

Madrid


Em Madrid, Lisboa cai aos trambolhões em recordações de semelhança. Excepto a gente. Estas ruas tão familiares mas que respiram em golfadas de multidões e pressas e vidas que nunca param. A viagem podia acabar aqui, a vida podia nascer aqui, este lugar que é tão real e desejo quanto é quimera. E as ruas que têm de tudo, mendigos e homens de negócios, gente de trabalho e gente que vai ao acaso, mulheres que riem como se a vida fosse solta e homens com ar de quem procura um vento que se não pode encontrar. Numa esquina, lojas cheias de turistas e um homem sentado tocando copos que é paz travando o reboliço dos passos. Os dedos contornam os bordos húmidos e as notas enchem o ar que me enchem o peito. Madrid que passa, a cidade que me faz querer anular o tempo e o espaço. Se pudesse, levaria Madrid até Lisboa e de Lisboa faria a Madrid de todas as viagens. Assim, ao fim da tarde, enquanto um homem tocando copos enche o ar de música e as gentes passam à procura de um vento que se solta.

FIM


quarta-feira, maio 13

terça-feira, maio 12

Diários de uma moeda ao ar 4


De Salamanca, parto para Madrid. Madrid porque saudades de um tempo feito de noites infindáveis. A meio caminho, é tempo de conhecer paragens famosas, mas onde nunca estive. O El Escorial é um ponto obrigatório na estrada entre Salamanca e a capital de Espanha. Mais que o monumento, é o olhar no horizonte que me prende a imaginação. Por entre as árvores que se alongam na planície, podiam estar Quixote e Sancho, os dois discutindo a lealdade que não se mede pela força, a verdade que se encontra em cada um independente do giganteza do mundo. Quixote e Sancho a pé por entre as árvores, pisando a terra, duas personagens que desejaria pessoas de verdade, homens que me fizessem sorrir como velhos conhecidos aproximando-se no jeito de sempre. O olhar deambula e então Madrid outra vez. Ao fundo do céu, ergue-se o destino, a cidade anunciando-se em arranha-céus que fazem lembrar uma América qualquer perdida no meio dos séculos que não são seus. É para lá que sigo, comigo o Quixote que sempre me traz por dentro.


sábado, maio 2

Diários de uma moeda ao ar 3

Plaza Mayor, Salamanca

Instantâneos da janela da Pensión Robles









Diários de uma moeda ao ar 2


Chego a Salamanca ao final do dia. O carro estacionado e a mochila outra vez presa nas costas. Quando sinto o peso das alças sobre os ombros tenho a sensação de que voltei a casa. Caminho. Vou à procura de um lugar para ficar, uma cama onde passe a noite, mas qualquer lugar me serve para me procurar a mim mesmo. Por isso, tenho em Salamanca a exaltação das descobertas, apesar de já aqui ter estado dezenas de vezes. Contemplo a cidade no seu ritmo de sempre, a luz que não é castanha mas que se faz castanha sobre a cor de areia das pedras, as gentes que regressam como se a noite lhes trouxesse um recomeço. Vou caminhando por entre tudo isto até chegar às arcadas que anunciam a Plaza Mayor. Do outro lado está a História. Nunca me canso desta visão de assombro, um rectângulo perfeito cheio de gente que nos torna parte de um monumento.


A entrada da Pensión Robles é-me familiar. Subo a escadaria antiga, a madeira que range antes do bater da porta. Do outro lado está uma senhora gorda, gordíssima, que me pergunta ao que venho e de onde venho. Surpresa: a palavra Portugal dá-lhe um arrepio no olhar. “Es que a mí no me gusta los portugueses…” Ainda assim diz-me que sim, que arranja uma cama por esta noite. Fico. Gostei da sinceridade da mulher gordíssima. Não é todos os dias que alguém nos diz na cara que não gosta do nosso país. Decido antes virar a mesa, conquistar a mulher, mostrar-lhe que pode haver pelo menos um português que lhe mude a opinião. Enquanto preenche os papéis, conversamos. Sobre tudo, sobre nada, sobretudo conversamos e nessa conversa talvez que a mulher entenda que não somos as nossas nacionalidades, que agora somos duas pessoas conversando sobre tudo e sobre nada. Quando me entrega a chave, a voz está mais cordial e consigo pressentir-lhe um travo de simpatia. Talvez que a tenha conquistado, mas o certo é que ela me conquistou. A mulher gorda da Pensión Robles está-se nas tintas para o que os outros pensam.


Entro no quarto e descanso um pouco antes de sair de novo. Cá fora, Salamanca acorda para o despertar da noite. “Tapas” e “cañas” e gente pelas ruas e cafés e restaurantes cheios de vida. Não estou em casa, mas podia bem estar. Ocorre-me que uma cidade ou um lugar pode receber-nos como a mulher da Pensión Robles. Olhar-nos como forasteiros de quem se desconfia ainda que aceite que fiquemos. Depois podemos ser nós a escolher. Aprender a conquistar a cidade e nessa conquista descobrir o segredo para que nos sintamos em casa.

terça-feira, abril 14

Diários de uma moeda ao ar 1

E então outra vez o acaso. Lisboa amanhece com sol e eu acordo com a vontade da estrada. Viajar pode ser isto mesmo, uma escolha, um imprevisto, um segundo em que decidimos que vamos. Só falta a escolha de um destino. De carro, não são muitas as opções. Ou fico neste canto à beira-mar plantado ou vou visitar "nuestros hermanos". A saudade de comer "tapas" leva a melhor e decido-me pelo (outro) gigante ibérico.
Como se escolhe uma estrada? Para norte, não. É demasiado longa a distância. Ocorrem-me dois lugares que me parecem ficar bem ao final do dia: Salamanca e Sevilha. Reduzi as hipóteses, mas falta-me a decisão final. E então porque não outra vez o acaso? Cara, sigo para sul, o calor da Andaluzia; coroa, volto à cidade das universidades centenárias. A moeda gira no ar, rodopio de probabilidades, antes de aterrar na palma da mão que faz o destino. Coroa. Salamanca. Engulo o café e nada mais há a fazer senão seguir a vontade, a estrada que há-de ser infinita. E mais uma viagem que começa na fluência dos sentidos.


sábado, abril 4

Ilha do Pessegueiro


Se pudesse, era aqui que passaria todos os meus fins de tarde. Viria pela estrada que se derrama sobre o mar e ficaria a ver a ilha saboreando o sal do vento. Se pudesse, jamais viveria aqui. Não quero morar num lugar onde só gosto de chegar, o caminho aberto parece que termina no céu antes de se abrir ao horizonte largo que se abre como um drama de cinema.
(gosto de imaginar a música. Um descapotável cinzento e a meu lado um lenço enrolado à volta da cabeça, a Grace Kelly dos meus sonhos.)
Se pudesse, estaria sempre a chegar, sem nunca ficar, sem nunca partir. Apenas a exaltação desse instante em que os campos são verdes e se transformam no líquido do azul. E a ilha. A fortaleza erguida à beira do mar que guarda a terra que todos os dias me viu renascer.
(quando venho embora, nunca olho para trás. A ilha é só para ver de frente, ao fim da tarde, sentindo o cheiro da casa à beira do mar.)

Foto: Neus Sabater

terça-feira, março 24

Canção de mim mesmo


A Paz


A paz invadiu o meu coração
De repente, me encheu de paz
Como se o vento de um tufão
Arrancasse meus pés do chão
Onde eu já não me enterro mais

A paz fez um mar da revolução
Invadir meu destino; A paz
Como aquela grande explosão
Uma bomba sobre o Japão
Fez nascer o Japão da paz

Eu pensei em mim
Eu pensei em ti
Eu chorei por nós
Que contradição
Só a guerra faz
Nosso amor em paz

Eu vim
Vim parar na beira do cais
Onde a estrada chegou ao fim
Onde o fim da tarde é lilás
Onde o mar arrebenta em mim
O lamento de tantos "ais"

Gilberto Gil

segunda-feira, março 16

Diários do Acaso 4

As impressões do olhar

Vista geral do Santuário

A Basílica na "perspectiva" de João Paulo II

Por toda a parte, a busca de um "sentido"

Velas. Fogos que não se apagam.

Deus não é surdo...

Igreja da Santíssima Trindade

Altar na Igreja da Santíssima Trindade

Capelinha das Aparições


FIM