(texto lido a propósito do lançamento do livro Bicicletas para Memórias e Invenções 5 – colectânea de contos dos alunos da Companhia do Eu)
A primeira paixão que perdi foi o Verão. Acabava. Os dias cada vez mais curtos, Outubro cada vez mais perto e o calor escorrendo como a areia que desaparecia por baixo das marés vivas. O tempo também acabava e com o fim vinham os comboios a caminho do Rossio e o trânsito parado na avenida. O Verão acabava e a bicicleta ficava lá, no Alentejo. Com a bicicleta ficavam também as gargalhadas dos amigos e o vento que me batia no rosto antes da cozinha da minha avó. A bicicleta ficava lá, encostada à parede e o que trazia comigo eram as saudades da liberdade.
(o cheiro quente da casa, a água do rio que se fazia sal por cima da pele.)
A primeira paixão que venci foi o Verão. Voltava. Os dias cada vez mais largos e a ansiedade das ondas e dos risos soltos no ar do cais. Então, entendi a sorte de me ser. Ter uma paixão que sempre termina, mas sempre volta. Como uma mulher que nos abraça e nos solta e segue abraçando-nos mesmo quando nos solta. A bicicleta também voltava e assim era que nunca paixão alguma se sobrepunha ao refúgio do vento.
A bicicleta e o Verão eram os sinónimos da minha casa. A liberdade de correr o mundo às gargalhadas e de regressar sempre ao cheiro quente do Alentejo.
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