segunda-feira, outubro 30

A Dúvida

Como é por dentro outra pessoa
Quem é que o saberá sonhar?
A alma de outrem é outro universo
Com que não há comunicação possível,
Com que não há verdadeiro entendimento.

Nada sabemos da alma

Senão da nossa;
As dos outros são olhares,
São gestos, são palavras,
Com a suposição de qualquer semelhança
No fundo.

Fernando Pessoa

quinta-feira, outubro 26

Diários da Índia 8

O que podíamos aprender

Toda a Índia é uma experiência de extremos. Por um lado vê-se o que de acordo com os nossos padrões ocidentais e bem-educados seria considerado abjecto, por outro vamos enriquecendo em tudo o que somos ao virar de cada esquina. Por entre as ruas cheias de excrementos, vacas, cabras, macacos, oportunistas, mafiosos, traficantes de droga e miseráveis pedintes, vamos descobrindo como são frágeis, muito frágeis, as nossas concepções acerca do mundo e da forma como vivemos a vida. Longe do conforto da terra pátria e do mundo dito civilizado, não encontrei ninguém em stress por ir buscar os filhos à escola e depois fazer o jantar, quem não acreditasse num certo optimismo acerca do universo. Não é que sejam mais felizes, ou que sejam menos, não é uma questão de julgar ou saber o que de mais ou a menos tem a Índia em relação ao mundo de onde venho. Trata-se apenas de observar na Índia o que da Índia gostaria que fosse do meu mundo, ao mesmo tempo que entendo o que do meu mundo poderia fazer falta à Índia. Porém, a tudo se deve observar com o olhar atento de quem soma e não de quem divide ou subtrai. Tal como os indianos fazem relativamente às fés e aos credos. É que também não encontrei quem fosse intolerante e cheio de preconceitos em relação a outras religiões e raças. Depois de ter estado com muçulmanos, budistas e hindus, é curioso notar que todos dizem o mesmo: são os políticos que fazem as divisões e as guerras, que não há problema algum com o facto de tu seres uma coisa e eu outra. Na Europa somos tolerantes e julgamo-nos o pico da humanidade sem experimentar o que este povo verdadeiramente experimenta: a comunhão.

terça-feira, outubro 24

The Inexplicable

"In a sense, everything that exists is to climb. All evolution is climbing towards a higher form. Climbing is a metaphor for life as it reaches towards consciousness, towards the spirit. We have always honored the high places because we sense them to be homes of gods. In the mountains there is a promise of... something inexplicable. A higher plane of awareness, a spirit that soars. So we climb. And in the climbing there is more than a metaphor; there is a means of discovery."

segunda-feira, outubro 23

First Things

"First things.
What was in the beginning.
Before ambition, before job, before office, before designation, before byline, before car, before house, before marriage, before need.
Before need, before need, before need…
Purity of the primary. The wholeness at the start.
Love and desire.
Heart and art. She and me.
First things.
It was ironic, for we were now adrift in the country of last things. Where the fruit decays on the branch before it can bloom. Where the falling rain burns all it touches. Where the air sears the lungs with every breath. Where love has no passion and is the mere memory of another time."

in The Alchemy of Desire, Tarun J. Tejpal

quarta-feira, outubro 18

Diários da Índia 7

A Turma


Central Institute of Buddhist Studies, Choglamsar Posted by Picasa

quarta-feira, outubro 11

To remember while in the storm 2

My Way

And now, the end is here
And so I face the final curtain
My friend, I'll say it clear
I'll state my case, of which I'm certain
I've lived a life that's full
I traveled each and ev'ry highway
And more, much more than this,
I did it my way

Regrets, I've had a few
But then again, too few to mention
I did what I had to do
and saw it through without exemption
I planned each charted course,
each careful step along the byway
And more, much more than this,
I did it my way

Yes, there were times, I'm sure you knew
When I bit off more than I could chew
But through it all, when there was doubt
I ate it up and spit it out
I faced it all and I stood tall
and did it my way

I've loved, I've laughed and cried
I've had my fill, my share of losing
And now, as tears subside,
I find it all so amusing
To think I did all that
And may I say, not in a shy way,
"Oh, no, oh, no, not me, I did it my way"

For what is a man, what has he got?
If not himself, then he has naught
To say the things he truly feels
and not the words of one who kneels
The record shows I took the blows
and did it my way!
Yes, it was my way

By Frank Sinatra
Original music by Claude François, Jacques Revaux, Gilles Thibault
Original lyrics by Claude François, Paul Anka, Jacques Revaux, Gilles Thibault

terça-feira, outubro 10

Diários da Índia 6

Where are you from?

Quando se viaja, o mais natural que possa suceder a um viajante é encontrar outros viajantes, é conhecer gentes de outros lugares, é dar de caras com outras culturas e modos de ser. Ao viajar pela Índia, são dadas ao viajante duas oportunidades: conhecer e contactar com as pessoas dos lugares por onde vai passando e, ao mesmo tempo, encontrar e conhecer outros que como ele deixaram o conforto dos seus lares e se resolveram à aventura de deambular pelo segundo país mais populoso do mundo. Todas estas assunções são certeiras, quer se trate da Índia, da Austrália ou do reino da Conchichina. O que é dado curioso e presentemente retratado é a forma como esse conhecimento é travado, o modo como é a feita a abordagem ao viajante entre viajantes.
Ao passear pelas ruas de Delhi, Agra ou Varanasi, o que é assaz frequente de acontecer ao forasteiro é ser sistematicamente bombardeado com questões e solicitações por parte daqueles que, ciosos do seu ofício, buscam a oportunidade de negócio. Então é o festival do costume: “Rickshaw, sir?”, “Change Money, sir?”, “Where are you going, sir?”, “Bus? Train ticket? You want taxi? I’ve got nice boat, sir...” entre outras, muitas outras supostas ofertas. Posto isto, fica a faltar a abordagem geral, aquela comum a todos os autóctones, sejam eles homens de simples negócio ou meros curiosos das caminhadas alheias. “Where are you from?” dizem todos eles em uníssono. Para os primeiros é óbvio o propósito da pergunta. Trata-se apenas da primeira que lançará o isco para as que lhe hão-de seguir, já com os cifrões e os zeros à vista. Para os segundos, porém, trata-se meramente de um modo de aproximação, um modo de, por assim dizer, “quebrar o gelo”, “meter conversa”, uma forma de dizer “olá, até estou mais ou menos curioso por te conhecer.” Aqui começa a comichão de perceber porquê, mas o que é facto ainda mais curioso é que este fenómeno é igualmente extensível a todos os viajantes, venham eles de que canto do mundo vierem. Tanto mais que esta pergunta antecede por largas margem muitas outras, como por exemplo “What do you think about India?”, “How do you feel about India?”, “Where have you been in India?” ou mesmo, e o que é extraordinário, um simples “What’s your name?”. É como se o primeiro factor de identidade, aquilo que pode dizer alguma coisa sobre nós próprios ao nosso interlocutor, fosse esse conjunto de letras na capa de um qualquer passaporte. Como se ser português, inglês, espanhol ou neo-zelandês quisesse dizer alguma coisa de concreto com respeito ao que cada um é.
As fronteiras entre países, já lá dizia John Lennon, não passam de conceitos criados pelo homem. É certo que uma cultura sempre influencia um indivíduo, e que uma cultura é sempre parte de um país ou conjunto de países. Porém, mais certa ainda é a evidência de que existe de tudo um pouco por toda a parte. Pessoas afáveis, interessantes, arrogantes, medrosas, estúpidas, inteligentes, sensíveis… enfim, bestas-quadradas ou corações de ouro. Se assim não fosse, e suponha-se que os portugueses são todos uns amores de pessoas, que maravilha seria viver em Lisboa! Por outro lado, suponha-se que os húngaros são todos uns idiotas, quão difícil seria o dia-a-dia em Budapeste.
Por mim, melhor seria que mais gente me perguntasse o que gosto e o que sinto, quais os momentos mais marcantes da minha viagem, mais gente a contar-me anedotas ou a ensinar-me novos jogos de cartas. Melhor seria que também eu eliminasse tais barreiras, que sentisse mais os outros e que mais por eles fosse sentido, em vez deste aborrecimento de nos inquirirmos uns aos outros sobre a marca de fabrico escrita na etiqueta dos nossos seres. Assim não sendo, resta-me ao menos invejar os japoneses. A eles ninguém lhes pergunta de onde são.