A camisa fina cola-se-lhe ao corpo e Manuel tem vontade de a rasgar. O calor aperta, sente-se na pele por entre o suor seco que o incomoda como se fosse cócegas que a camisa lhe faz. Cheira a pó e a vento e a vacas, esta camisa que Manuel vestiu faz hoje sete dias. Sete dias a caminhar por estas planícies de deserto, sete dias sem encontrar uma voz, apenas o mugir das vacas que o seguem e perseguem.
Manuel cruza o alpendre da casa e quando entra sente a frescura e o cheiro do picante que lhe aviva os sentidos. Escuta a voz da mulher e adivinha o sabor da carne e do tomate e do feijão, aquele sabor que só a mulher lhe traz, o calor que arde até ao céu da boca, até ao azul por cima do mundo. Manuel sorri e seu sorriso é antes gargalhada. O gosto do regresso e a frescura da casa quase o fazem esquecer a camisa que agora rasga finalmente. Finalmente a pele, o sabor quente que é mais da mulher que do tempo.
(sete dias sem encontrar uma voz)
Lucia corre a beijá-lo, abraça-o com a força do desejo e o que Manuel sente é antes o gosto das amoras que se lhe cola aos lábios. Manuel inebriado à procura do equilíbrio, mas a terra girando ao som da voz da mulher.
(porquê o tempo, meu amor, porquê os dias todos nesta camisa)
Manuel sabe do bâton, as amoras doces e a voz saboreada por todos os que como ele cruzam e cruzaram o alpendre e a frescura da casa. Manuel sufoca entre as pernas de Lucia enquanto o vestido e a camisa lhe fazem crer que são antes as vacas que cheiram a feijão e que o vento e o pó têm o aroma de perfume, de amoras, de carne.
(caio em ti, meu amor, a água branca colada na pele)
Manuel e Lucia seguem confusos, mas sabem que as mãos não os enganam, que a pele que tocam é a mesma que tantas vezes se incendiou na frescura da casa, os dois cegos pelo desejo e pelas gargalhadas que se perdem por entre o vento e o pó.
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