sexta-feira, agosto 29
Diários do Médio Oriente 35
Diários do Médio Oriente 34
Da arbitrariedade da religião
É comum considerarmos que a religião é algo de pessoal, uma escolha de cada indivíduo que se relaciona com a sua crença, a sua fé, a sua ideia ou sentir pessoal acerca de um deus ou de deuses. Percorre-se o mundo e descobrimos que esse mesmo sentir individual encontra uma combinação muitas vezes simétrica com dezenas de milhares de outros indivíduos. A Turquia é, na sua grande maioria, um país muçulmano, acontecendo o mesmo com a Síria, a Jordânia, o Egipto e tantos outros, vizinhos ou não da mesma geografia. Já Portugal é normal considerar como país cristão católico, a Índia como hinduísta – para uma parte muito significativa da sua população –, o Tibete como núcleo do budismo, Israel como defensor do judaísmo, a Grã-Bretanha como advogada do cristianismo protestante, a Rússia como bastião central do cristianismo ortodoxo. Todas estas considerações estão tão correctas como o senso comum e a sua verdade ultrapassa quaisquer laicidades que possam prevalecer neste ou naquele estado. Assim, parece existir algo que diz respeito às religiões que ultrapassa a mais simples das fés ou a mais pura das crenças. A religião, surgindo assim tão claramente associada a este ou aquele estado, torna-se algo de geográfico, de político, de social, de cultural. Basta observar as realidades dos países acima referidos e encontraremos concerteza diferenças significativas nos modos de vida, nos relacionamentos entre pares e, sobretudo, nas línguas, sem prejuízo da globalização crescente da vida moderna.
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Posto isto, importa observar que antes de escolher uma religião, um dado indivíduo nasce em algum lugar e que esse lugar, mal ou bem, não é obviamente escolha sua. Também não depende de si a natureza religiosa ou cultural do lugar que o vê nascer. Não sou português porque o escolhi ser e ainda que posteriormente escolhesse não o ser não seria escolha minha ter-me sido dada a oportunidade de escolher. Em suma, a nacionalidade é arbitrária. Logo, também o é, mais uma vez (não me canso de o afirmar) na grande maioria dos casos, a matriz cultural e religiosa do individuo. Quando o imperador romano Constantino fez do cristianismo a religião oficial do império romano, esse facto viria a ter consequências para todos os que vivessem ou viessem a nascer no espaço desse império, mesmo depois desse império cessar a sua existência. Porventura, este facto histórico influencia mais a minha vida em matéria religiosa – e, logo, cultural e social – que propriamente as minhas escolhas individuais.
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Por tudo isto, parece-me ser a escolha de viver um ou mais deuses desta ou daquela maneira algo que comporta em si uma forte componente de arbitrariedade. Não a vivência de um deus ou deuses em si mesma, como uma coisa do domínio da fé e do espiritual, antes a vivência desse mesmo deus ou deuses integrada num certo quadro religioso. Quando alguém diz que professa a religião que deriva da palavra de Jesus Cristo e outro afirma a pés juntos que a última palavra é a do profeta Maomé, convém ter em atenção que provavelmente um nasceu num dado lugar e outro nasceu noutro lugar qualquer.
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Acresce a isto o facto de a religião ser também, e muito, matéria de transmissão entre gerações e culturas, de ser algo feito de rituais que passam de pais para filhos. Uma vez mais, também o facto de nascermos no seio deste ou daquele aglomerado de parentes é fruto do acaso. Ser português, ter nascido em Lisboa, ser oriundo de uma certa família alentejana, tudo são factores que contribuem decisivamente para a minha identidade, mas não é algo prévio à minha pessoa, algo que, digamos, já estivesse “lá” antes de eu nascer. Seguramente, não é o tipo de circunstância que em algum momento tenha sido alvo do meu livre arbítrio. O que depois se constitui em mim como divino ou não, como espiritual ou não, é algo de pessoal e não é matéria de discussão racional. O que de mim faço não é arbitrário, ainda que possa ser arbitrário o quadro que me rodeia. Perante isto, “tolerância” torna-se uma palavra quase tautológica e “diferença” e “responsabilidade” conceitos tão óbvios que quase esvaziariam de conteúdo o termo “julgamento”.
segunda-feira, agosto 25
Diários do Médio Oriente 33
domingo, agosto 24
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sábado, agosto 23
quinta-feira, agosto 21
Diários do Médio Oriente 29
quarta-feira, agosto 20
Diários do Médio Oriente 28
Primeira estação: Arco Ecce Homo, o lugar onde Cristo inicou a sua caminhada.
Segunda estação: Igreja Franciscana da Condenação e Capela da Flagelação (na foto), onde Cristo tomou a cruz e foi flagelado, recebendo a coroa de espinhos.
Terceira estação: uma pequena capela polaca, construída após a Segunda Guerra Mundial marca este lugar onde Jesus terá caído pela primeira vez.
Quarta estação: uma capela mínima, quase abandonada marca o lugar onde Cristo encarou a sua mãe por entre a multidão. A imagem ao fundo da capela (na foto) retrata esse momento.
Quinta estação: os escritos à volta da porta mostram o nome de Simão, sendo este o lugar onde o Cireno terá ajudado Cristo a carregar a cruz.
Sexta estação: um pilar junto a uma porta apresenta o nome de Verónica, que neste local limpou a face de Jesus.
Sétima estação: escondida no meio de um dos maiores bazares de Jerusalém, este local marca o momento em que Cristo terá caído pela segunda vez.
Décima estação: já dentro da Igreja do Santo Sepulcro, a capela franciscana marca o local onde Cristo foi despojado das suas roupas.
Décima primeira estação: Mesmo ao lado da capela Franciscana, uma capela Grega Ortodoxa marca o local onde Jesus foi crucificado. Há gente de joelhos rezando alto, outras beijam o chão por baixo da imagem, uma mulher e um rapaz estão completamente deitados no chão e choram convulsivamente. Nunca na minha vida vi algo assim.
Décima terceira estação: o lugar onde o corpo de Jesus terá sido colocado depois de retirado da cruz e entregue a sua mãe. Dezenas de pessoas ajoelham-se junto à pedra húmida e beijam-na, tocam-lhe com as mãos, passam roupas, pousam a testa, tudo entre lágrimas e orações.
terça-feira, agosto 19
Diários do Médio Oriente 27
Ainda na terra de ninguém, o espaço que separa os dois países, paro para esta fotografia. A máquina está dentro da mochila, por isso tenho de a pousar no chão e abri-la. Imediatamente, dois guardas gritam-me como se perguntassem o que estou a fazer, como se fosse tirar uma metralhadora ou um bomba. Como estou prestes a perceber, existe uma verdadeira obsessão com a segurança neste país.
Mais à frente, está o primeiro posto de segurança. Mochila para o raio-x, tudo fora dos bolsos, perguntas, mochila aberta, tudo para fora, mais perguntas. Continuo para o controlo de passaporte.
Entrego o passaporte e então começam os problemas. Para além do visto da Jordânia, há mais dois que levantam suspeitas. Marrocos e, o pior de todos, Síria. Mais perguntas. Conheço alguém na Síria, o que estive lá a fazer, quanto tempo lá estive, conheço alguém em Israel, como se chama o meu pai, como se chama o meu avô. Estou nisto quando se aproxima outro segurança que me chama de parte. Educadamente, diz-me que o meu passaporte vai ser verificado, que tenho de aguardar. Apercebo-me que outros turistas estão a passar sem grandes problemas. Pergunto o que se passa. Óbvio, não me podem dizer, mas sempre me adiantam que isto vai demorar. Levam-me para uma sala onde posso estar mais "confortável", um pré-fabricado de janelas opacas, 4 ou cinco cadeiras e uma mesa, ar condicionado. Sala de interrogatório é o que me ocorre. Fico ali não sei quanto mais tempo. Entra outra agente e mais perguntas. Diga-me todos os países onde esteve nos últimos dez anos, porque não tenho reserva em nenhum hotel, qual o meu itinerário em Israel, estou a pensar visitar zonas árabes ou palestinianas. Sai. Passa mais uma hora até que finalmente mesma agente regressa com o meu passaporte. Pergunta-me se quero que carimbe um papel que tenho de preencher ou o passaporte. É que, diz-me, como parece que viajo tanto o melhor é não carimbar o passaporte, dado que a partir desse momento existem pelo menos 10 países onde não poderei entrar. Papel carimbado, sigo viagem. Tanta coisa por um bocado de terra...
Apanho o autocarro em Eilat, o que proporciona a rara experiência de atravessar o deserto do Negev ao entardecer.
Mais perto de Jerusalém, o Mar Morto faz a sua aparição mesmo à beira da estrada. Posso nunca ter estado no Evereste, mas acabo de passar pelo ponto mais baixo do planeta, e sem o auxílio de oxigénio. A chegada à cidade santa acontece já a noite caiu.
Diários do Médio Oriente 26
A vista mais famosa e a foto do costume. Al-Kahzneh (o tesouro), ainda ao nascer do sol.
Petra está longe de ser desabitada. Por todo o lado, há sempre alguém disposto a fornecer um "táxi" e com ar condicionado.
A visão no papel. Quase duas horas de caminho e ainda só estou no canto inferior direito.
A vista do alto do Urn Tomb.
O fim do percurso marcado, junto ao Al-Deir (o mosteiro). A vista alcança o deserto da Arábia.
Al-Deir, o mosteiro cravado na rocha.