sexta-feira, agosto 29

Diários do Médio Oriente 35

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Ben Gurion International Airport, Tel Aviv, Israel

Acordo cedo, apanho o autocarro para a estação central de Jerusalém e novo autocarro em direcção a Tel Aviv. A viagem leva menos de uma hora e mal saio outro autocarro espera para me levar ao terminal internacional. Faltam quatro horas para a descolagem, mas demoro mais de duas a passar o controlo de segurança (outra vez o visto da Síria...). Já dentro do avião, pego no primeiro jornal que consigo ler em mais de três semanas. Percebo que alguns dias antes aconteceu um grande acidente no aeroporto para o qual me dirijo agora: Barajas, Madrid. Penso no ditado que diz que um raio nunca cai duas vezes no mesmo lugar. Pelo caminho, sabe bem estar rodeado de gente que fala uma língua que finalmente percebo. Tenho a sensação que posso comunicar outra vez, que o mundo já não é um lugar tão difícil de entender. O Médio Oriente acaba aqui. Começa uma das melhores partes de qualquer viagem: o regresso.

FIM

Diários do Médio Oriente 34

Da arbitrariedade da religião

É comum considerarmos que a religião é algo de pessoal, uma escolha de cada indivíduo que se relaciona com a sua crença, a sua fé, a sua ideia ou sentir pessoal acerca de um deus ou de deuses. Percorre-se o mundo e descobrimos que esse mesmo sentir individual encontra uma combinação muitas vezes simétrica com dezenas de milhares de outros indivíduos. A Turquia é, na sua grande maioria, um país muçulmano, acontecendo o mesmo com a Síria, a Jordânia, o Egipto e tantos outros, vizinhos ou não da mesma geografia. Já Portugal é normal considerar como país cristão católico, a Índia como hinduísta – para uma parte muito significativa da sua população –, o Tibete como núcleo do budismo, Israel como defensor do judaísmo, a Grã-Bretanha como advogada do cristianismo protestante, a Rússia como bastião central do cristianismo ortodoxo. Todas estas considerações estão tão correctas como o senso comum e a sua verdade ultrapassa quaisquer laicidades que possam prevalecer neste ou naquele estado. Assim, parece existir algo que diz respeito às religiões que ultrapassa a mais simples das fés ou a mais pura das crenças. A religião, surgindo assim tão claramente associada a este ou aquele estado, torna-se algo de geográfico, de político, de social, de cultural. Basta observar as realidades dos países acima referidos e encontraremos concerteza diferenças significativas nos modos de vida, nos relacionamentos entre pares e, sobretudo, nas línguas, sem prejuízo da globalização crescente da vida moderna.

Posto isto, importa observar que antes de escolher uma religião, um dado indivíduo nasce em algum lugar e que esse lugar, mal ou bem, não é obviamente escolha sua. Também não depende de si a natureza religiosa ou cultural do lugar que o vê nascer. Não sou português porque o escolhi ser e ainda que posteriormente escolhesse não o ser não seria escolha minha ter-me sido dada a oportunidade de escolher. Em suma, a nacionalidade é arbitrária. Logo, também o é, mais uma vez (não me canso de o afirmar) na grande maioria dos casos, a matriz cultural e religiosa do individuo. Quando o imperador romano Constantino fez do cristianismo a religião oficial do império romano, esse facto viria a ter consequências para todos os que vivessem ou viessem a nascer no espaço desse império, mesmo depois desse império cessar a sua existência. Porventura, este facto histórico influencia mais a minha vida em matéria religiosa – e, logo, cultural e social – que propriamente as minhas escolhas individuais.


Por tudo isto, parece-me ser a escolha de viver um ou mais deuses desta ou daquela maneira algo que comporta em si uma forte componente de arbitrariedade. Não a vivência de um deus ou deuses em si mesma, como uma coisa do domínio da fé e do espiritual, antes a vivência desse mesmo deus ou deuses integrada num certo quadro religioso. Quando alguém diz que professa a religião que deriva da palavra de Jesus Cristo e outro afirma a pés juntos que a última palavra é a do profeta Maomé, convém ter em atenção que provavelmente um nasceu num dado lugar e outro nasceu noutro lugar qualquer.

Acresce a isto o facto de a religião ser também, e muito, matéria de transmissão entre gerações e culturas, de ser algo feito de rituais que passam de pais para filhos. Uma vez mais, também o facto de nascermos no seio deste ou daquele aglomerado de parentes é fruto do acaso. Ser português, ter nascido em Lisboa, ser oriundo de uma certa família alentejana, tudo são factores que contribuem decisivamente para a minha identidade, mas não é algo prévio à minha pessoa, algo que, digamos, já estivesse “lá” antes de eu nascer. Seguramente, não é o tipo de circunstância que em algum momento tenha sido alvo do meu livre arbítrio. O que depois se constitui em mim como divino ou não, como espiritual ou não, é algo de pessoal e não é matéria de discussão racional. O que de mim faço não é arbitrário, ainda que possa ser arbitrário o quadro que me rodeia. Perante isto, “tolerância” torna-se uma palavra quase tautológica e “diferença” e “responsabilidade” conceitos tão óbvios que quase esvaziariam de conteúdo o termo “julgamento”.

segunda-feira, agosto 25

Diários do Médio Oriente 33

O último dia

Kibbutz Kalia, Mar Morto

Para acabar, o ponto mais baixo do planeta e um mar tão salgado que é impossível mergulhar. Fica-se simplesmente a boiar na condensação de sólidos minerais e a sentir o calor acumulado. O dia, enfim, passa-se de barriga para o ar e a conversar com viajantes de circunstância. Aos poucos, chega uma sensação de fim e instala-se a calma de saber que falta muito pouco para voltar a casa.

domingo, agosto 24

Diários do Médio Oriente 32

Monte das Oliveiras, Jerusalém

Igreja de Todas as Nações

Na encosta do monte, os cemitérios estendem-se a perder de vista, com milhares de túmulos. Neste lugar começará a ascensão das almas no Dia do Juízo Final. Logo, toda a gente quer estar o mais perto possível...

A cidade velha de Jerusalém vista do alto do monte.

A cúpula da Igreja de Santa Maria Madalena (Russa Ortodoxa)

O deserto da Judeia, a vista do lado do Monte das Oliveiras oposto a Jerusalém

sábado, agosto 23

Diários do Médio Oriente 31

Cúpula da Rocha
Esplanada das Mesquitas (Monte do Templo),

Jerusalém


Diários do Médio Oriente 30

Muro das Lamentações, Jerusalém








quinta-feira, agosto 21

Diários do Médio Oriente 29

Pequena interrupção

Aproxima-se o regresso e, como sempre, tudo anda depressa demais. A jornada continua, mas interrompem-se muito brevemente os "posts". O relato do que resta desta viagem segue dentro de momentos.

quarta-feira, agosto 20

Diários do Médio Oriente 28

Via Dolorosa, Jerusalém

Jerusalém é uma cidade como nenhuma outra. Podemos ser cristãos, muçulmanos, judeus, agnósticos, budistas ou ateus. Não importa. A cidade respira algo de único a que não podemos ficar alheios. Um dos percursos obrigatórios é a Via Dolorosa, o caminho de Jesus Cristo fez desde o momento em que recebeu a cruz até ao seu túmulo final. O caminho está marcado com 14 estações (é mesmo esse o nome que recebem) que marcam outros tantos momentos curciais desse dia. Retiram-se deste texto os "supostamente", os "diz a lenda que" ou "há quem acredite que". Essas considerações não vêm agora ao caso. O percurso é o que é e não é coisa menor, independentemente da crença ou não-crença de cada um. E percorrê-lo é sentir que a fé dos homens e mulheres é algo de real e presente e que está além de considerações racionais.



Primeira estação: Arco Ecce Homo, o lugar onde Cristo inicou a sua caminhada.


Segunda estação: Igreja Franciscana da Condenação e Capela da Flagelação (na foto), onde Cristo tomou a cruz e foi flagelado, recebendo a coroa de espinhos.


Terceira estação: uma pequena capela polaca, construída após a Segunda Guerra Mundial marca este lugar onde Jesus terá caído pela primeira vez.

Quarta estação: uma capela mínima, quase abandonada marca o lugar onde Cristo encarou a sua mãe por entre a multidão. A imagem ao fundo da capela (na foto) retrata esse momento.


Quinta estação: os escritos à volta da porta mostram o nome de Simão, sendo este o lugar onde o Cireno terá ajudado Cristo a carregar a cruz.


Sexta estação: um pilar junto a uma porta apresenta o nome de Verónica, que neste local limpou a face de Jesus.


Sétima estação: escondida no meio de um dos maiores bazares de Jerusalém, este local marca o momento em que Cristo terá caído pela segunda vez.


Oitava estação: Jesus diz a uma mulher que chore por ela mesma e pelos seus filhos, não por ele.


Nona estação: os restos de uma coluna na Igreja Cóptica marcam o local onde Jesus caiu pela terceira vez.


Décima estação: já dentro da Igreja do Santo Sepulcro, a capela franciscana marca o local onde Cristo foi despojado das suas roupas.


Décima primeira estação: Mesmo ao lado da capela Franciscana, uma capela Grega Ortodoxa marca o local onde Jesus foi crucificado. Há gente de joelhos rezando alto, outras beijam o chão por baixo da imagem, uma mulher e um rapaz estão completamente deitados no chão e choram convulsivamente. Nunca na minha vida vi algo assim.


Décima terceira estação: o lugar onde o corpo de Jesus terá sido colocado depois de retirado da cruz e entregue a sua mãe. Dezenas de pessoas ajoelham-se junto à pedra húmida e beijam-na, tocam-lhe com as mãos, passam roupas, pousam a testa, tudo entre lágrimas e orações.


Décima quarta e última estação: pelo tecto da nave central da igreja entra a luz que marca o lugar do Santo Sepulcro.

terça-feira, agosto 19

Diários do Médio Oriente 27

A caminho de Jerusalém


Fronteira. A Jordânia a ficar para trás, a mais curta estadia desta viagem. A passagem faz-se entre Aqaba e Eilat, a primeira cidade israelita do outro lado, nas costas do Mar Vermelho.


Ainda na terra de ninguém, o espaço que separa os dois países, paro para esta fotografia. A máquina está dentro da mochila, por isso tenho de a pousar no chão e abri-la. Imediatamente, dois guardas gritam-me como se perguntassem o que estou a fazer, como se fosse tirar uma metralhadora ou um bomba. Como estou prestes a perceber, existe uma verdadeira obsessão com a segurança neste país.

Mais à frente, está o primeiro posto de segurança. Mochila para o raio-x, tudo fora dos bolsos, perguntas, mochila aberta, tudo para fora, mais perguntas. Continuo para o controlo de passaporte.

Entrego o passaporte e então começam os problemas. Para além do visto da Jordânia, há mais dois que levantam suspeitas. Marrocos e, o pior de todos, Síria. Mais perguntas. Conheço alguém na Síria, o que estive lá a fazer, quanto tempo lá estive, conheço alguém em Israel, como se chama o meu pai, como se chama o meu avô. Estou nisto quando se aproxima outro segurança que me chama de parte. Educadamente, diz-me que o meu passaporte vai ser verificado, que tenho de aguardar. Apercebo-me que outros turistas estão a passar sem grandes problemas. Pergunto o que se passa. Óbvio, não me podem dizer, mas sempre me adiantam que isto vai demorar. Levam-me para uma sala onde posso estar mais "confortável", um pré-fabricado de janelas opacas, 4 ou cinco cadeiras e uma mesa, ar condicionado. Sala de interrogatório é o que me ocorre. Fico ali não sei quanto mais tempo. Entra outra agente e mais perguntas. Diga-me todos os países onde esteve nos últimos dez anos, porque não tenho reserva em nenhum hotel, qual o meu itinerário em Israel, estou a pensar visitar zonas árabes ou palestinianas. Sai. Passa mais uma hora até que finalmente mesma agente regressa com o meu passaporte. Pergunta-me se quero que carimbe um papel que tenho de preencher ou o passaporte. É que, diz-me, como parece que viajo tanto o melhor é não carimbar o passaporte, dado que a partir desse momento existem pelo menos 10 países onde não poderei entrar. Papel carimbado, sigo viagem. Tanta coisa por um bocado de terra...

Apanho o autocarro em Eilat, o que proporciona a rara experiência de atravessar o deserto do Negev ao entardecer.

Mais perto de Jerusalém, o Mar Morto faz a sua aparição mesmo à beira da estrada. Posso nunca ter estado no Evereste, mas acabo de passar pelo ponto mais baixo do planeta, e sem o auxílio de oxigénio. A chegada à cidade santa acontece já a noite caiu.

Diários do Médio Oriente 26

Petra, Jordânia
Ponto principal: as fotos que a seguir se apresentam são uma simples seleção e mais a mais muito imperfeita. Petra é gigantesco, estive por lá cerca de oito horas e tenho a certeza que muito ficou a faltar. Assim, esta é uma visão parcial e possível. Quem quiser ver mais que apanhe um avião. Vale a pena.

A entrada faz-se ao longo de um desfiladeiro com quase dois quilómetros. As pessoas na foto dão uma boa noção das dimensões.

Ao final do desfiladeiro, percebe-se qualquer coisa...

A vista mais famosa e a foto do costume. Al-Kahzneh (o tesouro), ainda ao nascer do sol.


Petra está longe de ser desabitada. Por todo o lado, há sempre alguém disposto a fornecer um "táxi" e com ar condicionado.


A visão no papel. Quase duas horas de caminho e ainda só estou no canto inferior direito.


A vista do alto do Urn Tomb.

"Sandstones"

O fim do percurso marcado, junto ao Al-Deir (o mosteiro). A vista alcança o deserto da Arábia.


Al-Deir, o mosteiro cravado na rocha.

Diários do Médio Oriente 25

Amã, Jordânia



Daqui falava o Artur. Não consigo evitar, é a primeira coisa que me ocorre ao chegar a Amã. A memória é demasiado presente. O ano era, salvo erro, 1991 e eu, bem como uma boa parte do resto do mundo, suspeito, ouvia pela primeira vez falar num tal de Saddam, apelido Hussein, a propósito da invasão de um pequeno país chamado Kuwait. Meses depois, as forças aliadas lideradas pelos Estados Unidos bombardeavam Baghdad. Começava a guerra do Golfo e todas as noites lá estava o nosso correspondente mais famoso dando as notícias possíveis. A rima ficou célebre e percorria os corredores da escola, as mesas dos cafés, a sala de jantar lá de casa. Creio que sobretudo o tom com que o dizia. "Directamente de Amã, Artur Albarran" era uma frase que se dizia e redizia, para terminar conversas, para dizer alguma coisa importante fosse o que fosse. Amã, na verdade, é uma cidade com poucos motivos de interesse. Mas vale a força da recordação e o sorriso que inevitavelmente provoca.