terça-feira, agosto 7

Viagem ao Centro das Américas 22

Subir um vulcao. Melhor, subir dois. Cerro Verde e Izalco, os dois mesmo ao lado um do outro. Para se chegar ao Izalco, o mais famoso, é preciso primeiro descer o Cerro Verde, mais alto. Claro que, ao regresso, é preciso descer o Izalco e depois subir o Cerro Verde. Curiosidade: a altura do Izalco é qualquer coisa como 1950 metros, Cerro Verde anda à volta dos 2100.
Antes, é preciso chegar ao Parque Natural Cerro Verde, onde os dois estao situados. O autocarro apanha-se em Santa Ana às 8 horas da manha, às 10 estou lá. É necessário ir-se com um guia e só há uma visita orientada por dia, que começa às 11. Orientada porque tem guia e tem polícia, duas coisas fundamentais para um tipo nao se perder ou ficar com as calças na mao no meio do nada. Sao 10.30 quando travo conhecimento com aqueles que hao-de ser os meus companheiros de luta pela montanha acima: Alberto, Óscar, Nelson, Maurício e Moisés, cinco amigos mais ou menos da minha idade vindos de El Salvador e dotados da habitual simpatia salvadorenha. Há mais pessoas, claro, mas os cinco caramelos mais o "tuga" vao logo para o pelotao da frente, lá para a frente puxar que isto é tudo rapaziada nova. O guia é Herson, um rapazinho de 13 anos e corpo franzino que mostra como se faz. Este é pois o ponto de partida:

Montanha abaixo, vulcao acima, nao há tempo para parar e tirar fotografias. O ritmo tem de ser forte que é para nao quebrar. A principio, parece fácil. Afinal, para baixo todos os santos ajudam. Nao é. A inclinaçao obriga a travar constantemente e cada passo é um pontapé nos músculos. O entusiasmo da "mara" (malta, em espanhol salvadorenho) faz a primeira vítima. Moisés aterra de tornozelo depois de um salto mais arriscado. Homem ao chao e alguns urros de dor... contidos, que estamos aqui entre homens e nao há que dar parte de fraco. O desempenho de Moisés está agora seriamente comprometido e é certo que este Moisés nada tem a ver com o outro, aquele que abriu o mar e subiu à montanha para debitar mandamentos, embora lhe pareça ler no rosto que pede a Deus um elevador. Nada a fazer, Moisés há-de continuar mas há-de ser o último a chegar, já coxo e derreado.
Termina a descida, começa a primeira prova a sério. A subida ao Izalco nao tem caminho, é amarinhar por cima de rocha vulcânica, bocados de lava amontada há muito cuspidos que a chuva e o tempo se encarregaram de secar. De resto, quando nao é rocha, é areia, o que é ainda mais difícil. Logo no início da subida Moisés e Maurício ficam para trás, os dois mais "fortes", por assim dizer, e também os dois que se dedicam à saudável arte do fumo, parece que lhes vi na mao um maço de Marlboro logo quando descemos Cerro Verde, mas... Um pouco mais acima é a vez de Óscar e Nelson abrandarem a marcha para ritmo "parado sentado numa rocha contemplando o horizonte." Alberto resiste um pouco mais, mas pouco depois deixo de escutar a sua respiraçao atrás de mim. Estou só eu e Herson, esse mesmo, o rapazinho de 13 anos e corpo franzino. Agradeço aos céus todos aqueles anos a praticar ciclismo de alta montanha, mas Herson nao está aqui para brincadeiras. Sigo sempre com ele até ao topo, mas dá-me ideia que o sacana até abranda o passo de propósito, porque afinal é guia e nao lhe pagam para humilhar turistas, ou pelo menos nao todos. Chegamos ao topo entao. E o que lá encontramos? Escuteiros. Pois é, estao mesmo em todo o lado. Aí estao eles, há muito instalados no meio das nuvens.

E é assim a cratera do Izalco:


Depois, vem a melhor parte. Primeiro sao apenas umas pingas, uma leve humidade que se julgaria natural dado o nevoeiro. Estamos à altura das nuvens, se calhar isto é só água a passar. Nao. As gotas ficam mais grossas e o que acontece a seguir chega a ter dimensao bíblica. Chove torrencialmente e... nao há abrigo. Algumas rochas aqui e ali podem proteger do vento, mas de resto é tomar um duche com um toque de banho de imersao. Penso "eu trouxe uma capa para a chuva"; digo "estúpido, deixaste-a no hotel". Enfim, eis o estado em que ficou este vosso amigo.

A chuva, note-se, nao foi uma coisa intensa que passasse em 5 minutos. Foi uma coisa intensa que nao passou ao fim de meia hora ou mais. Nao fosse um providencial saco de plástico vindo de uma sandes do Moisés e estaria na difícil situaçao de mostrar aos guardas na fronteira um passaporte sem letras.

A chuva pára entao finalmente, mas os olhares entre nós já dizem o que todos sabemos. O pior vem agora, completamente ensopados e o vento a quase 2000 metros de altitude. Façam uma pequena ideia do que seria tomarem banho com o vosso frigorífico e uma ventoinha sempre a bombar na velocidade máxima. Mas, a natureza sabe o que faz. Nao esquecer que estamos num vulcao ainda considerado activo. Logo, há fumarolas por todo o lado. Em pouco tempo, já a "mara" cruzou a cratera a correr e se aninhou junto ao vapor quente vindo das rochas. O vapor, claro, nao seca a roupa, mas aquece o corpo e o espírito. É aqui que começam as conversas sobre futebol, gajas e calao salvadorenho. Ora cá estao os meus dois amigos Mauricio e Moisés, junto a esta verdadeira sauna natural. O fumo que se vê na foto nao é de nuvens nem nevoeiro, é mesmo aquele gás que vem das entranhas da terra.



De espírito restabelecido, toca a descer. Para alguns será mais rebolar. Felizmente que a descida se faz quase na totalidade pela areia. Sinto-me um surfista a fazer downhill. Ao fim de pouco tempo apanho-lhe o jeito. Aos saltos e o corpo de lado, ora para esquerda ora para a direita. É a parte sem dúvida mais divertida do percurso, mas também a que gera mais adrenalina. Consigo cair só uma vez, felizmente de cóxis. Herson, já lá em baixo, diz-me que nao é raro ver um turista ou outro sair dali com pernas ou tornozelos partidos. Vá lá, safei-me. Cá em baixo, é mais ou menos isto que eu vejo, o Izalco a tocar nas nuvens. Se tiverem aí uma lupa, podem ver o Alberto e o Óscar mais ou menos a meio a descer a toda a brida.

Nao, isto ainda nao acabou. Agora é tempo de subir o outro, Cerro Verde. Este tem duas particularidades. Primeiro, a subida nao é por rocha vulcanica mas por um trilho feito de degraus e terra. Com a chuva, feito de degraus e lama. Por degraus entenda-se claro troncos de madeira metidos no meio do solo. Segundo, o nome Cerro Verde nao é por acaso. Toda montanha está coberta de árvores e mato. Logo, mesmo sem chover, a água amontada nas árvores e a humidade própria das florestas da América Central há-de nos cair em cima o caminho todo. Este é o aspecto do que ainda nos resta.


E este é o seu aspecto por dentro.

A história repete-se. Só eu e Herson, mas agora a resvalar pela lama. Herson sente-se confiante (?) e desafia-me para cortarmos caminho por atalhos. Ou seja, deixar o trilho e subir pela encosta ainda mais íngreme e enlameada. E eu lá sou de recusar desafios? Porém, a dado ponto, começo a vê-lo ganhar distância. Já está. O último turista armado em esperto acaba de ser abatido. Resta a natural bondade salvadorenha de Herson. Lá espera por mim e acabamos por chegar cá a cima juntos. Cumprimentamo-nos como verdadeiros companheiros de equipa. Sinto-me mais vivo do que nunca, eu e este rapazinho de 13 anos a celebrar a conquista das montanhas.


Despeço-me de Herson e sento-me numa rocha à espera. Alberto chega nao muito tempo depois. Quando Oscar e Nelson chegam já eu e Alberto tivemos tempo de falar sobre El Salvador, a guerra, os terramotos, viagens e, claro, namoradas. Quando Maurício e Moisés chegam, estamos há mais de uma hora à espera. "No pasa nada". Instala-se aquele clima que vem depois das conquistas, a calma e a boa disposiçao. Vou até á beira da montanha e contemplo o Izalco, a mais fabulosa das vistas.

É tempo de arrancar. Mas antes, uma última foto do "time". Da esquerda para a direita, Óscar, Mauricio, Nelson, Alberto, eu e Moisés.

O último autocarro para Santa Ana há muito que já saíu, mas os meus novos amigos oferecem-me a boleia que me salva de ter de decidir ficar a dormir nalgum abrigo ou simplesmente hibernar para poupar dinheiro. Na viagem de regresso, uma última paragem para a despedida: o Lago de Coatepeque.


Para a Maria Ana



2 comentários:

Anónimo disse...

Que ondas Pedro, Soy Moises Eduardo... espero hallas disfrutado tu estancia en El Salvador, un enorme gusto haberte conocido, quedo pendiente de enviarte el listado de palabras salvadoreñas con su significado jajajajajajajaja... Al rato pues nos llegamos un dia a Portugal... mi correo es: vega1205@hotmail.com o el del trabajo que es el que aparece en la tarjeta que te di...

Cuidate un monton.
Saludos

Unknown disse...

um sorriso...