terça-feira, abril 14

Diários de uma moeda ao ar 1

E então outra vez o acaso. Lisboa amanhece com sol e eu acordo com a vontade da estrada. Viajar pode ser isto mesmo, uma escolha, um imprevisto, um segundo em que decidimos que vamos. Só falta a escolha de um destino. De carro, não são muitas as opções. Ou fico neste canto à beira-mar plantado ou vou visitar "nuestros hermanos". A saudade de comer "tapas" leva a melhor e decido-me pelo (outro) gigante ibérico.
Como se escolhe uma estrada? Para norte, não. É demasiado longa a distância. Ocorrem-me dois lugares que me parecem ficar bem ao final do dia: Salamanca e Sevilha. Reduzi as hipóteses, mas falta-me a decisão final. E então porque não outra vez o acaso? Cara, sigo para sul, o calor da Andaluzia; coroa, volto à cidade das universidades centenárias. A moeda gira no ar, rodopio de probabilidades, antes de aterrar na palma da mão que faz o destino. Coroa. Salamanca. Engulo o café e nada mais há a fazer senão seguir a vontade, a estrada que há-de ser infinita. E mais uma viagem que começa na fluência dos sentidos.


sábado, abril 4

Ilha do Pessegueiro


Se pudesse, era aqui que passaria todos os meus fins de tarde. Viria pela estrada que se derrama sobre o mar e ficaria a ver a ilha saboreando o sal do vento. Se pudesse, jamais viveria aqui. Não quero morar num lugar onde só gosto de chegar, o caminho aberto parece que termina no céu antes de se abrir ao horizonte largo que se abre como um drama de cinema.
(gosto de imaginar a música. Um descapotável cinzento e a meu lado um lenço enrolado à volta da cabeça, a Grace Kelly dos meus sonhos.)
Se pudesse, estaria sempre a chegar, sem nunca ficar, sem nunca partir. Apenas a exaltação desse instante em que os campos são verdes e se transformam no líquido do azul. E a ilha. A fortaleza erguida à beira do mar que guarda a terra que todos os dias me viu renascer.
(quando venho embora, nunca olho para trás. A ilha é só para ver de frente, ao fim da tarde, sentindo o cheiro da casa à beira do mar.)

Foto: Neus Sabater