sexta-feira, setembro 7

Viagem ao Centro das Américas 64

Aeroporto de Philadelphia, 5 de Setembro, 19.00h

Que é uma viagem? Uma experiência? Certo, mas quantas experiências cabem no decurso de uma jornada? E se a viagem é longa, quantas viagens acontecem ao longo de um caminho? A vida continua enquanto viajamos e isso significa que continuam os dias bons e os menos bons, as ocorrências extraordinárias e as simples banalidades, sendo que o extraordinário prevalece por nos sentirmos num outro mundo. Passa-se antes que tudo acontece mais depressa e que, por ausência de rotinas e pressões sempre associadas, temos muito mais tempo e atenção e disponibilidade para absorver o que nos rodeia. E depois há as contrariedades, as mudanças de planos, os instantes em que aquilo que havíamos pensado se transforma crucialmente em algo oposto, em algo menos ou em algo mais. Essas mudanças ocorrem porque sim, porque queremos ou porque somos surpreendidos pelo curso individual das coisas que nos ignoram. É então que surge um outro elemento essencial: a escolha. A escolha não só dos caminhos e dos rumos que queremos então tomar, mas a escolha de aceitar ou não e evidente e magnânime distância entre o algo que se planeia e a realidade do que se vive. A partir do momento em que aceitamos este longo hiato, então a experiência de viajar torna-se completa, porque toma em si a vida como ela é. Pura e simplesmente. Porque nesse instante de aceitação, tudo o que está inerente à viagem é a viagem, e não o que poderia ter sido, o que gostávamos que não tivesse tido lugar, o que eventualmente poderíamos ter sonhado. E assim se abrem as portas para que possamos fluir nos caminhos que tomamos, para que possamos chorar e rir com tudo por tudo ser imenso e ser completo. É que uma viagem é apenas isso mesmo: a vida.

Regresso. Nascer do sol sobre o Atlântico, 6 de Setembro.



FIM


quarta-feira, setembro 5

Viagem ao Centro das Américas 63

O furacão aproxima-se. Desta vez chama-se Felix e está já prestes a atingir a costa da Nicarágua no dia em que chego a San Pedro Sula. Por todo o lado, ecrãs de televisão mostram o mapa de satélite. Na rota do furacão está a costa das Honduras, o que significa que San Pedro Sula, a menos de 80 quilómetros do oceano, será também atingida. Fico colado à TV do restaurante. Representantes disto e daquilo, especialistas, membros do Governo, todos de ar grave e sério, o estado de alerta declarado.

Na manhã seguinte, saio para a rua e procuro um café e um jornal. Mais de metade das páginas são dedicadas à ameaça eminente. O Felix move-se a 30 quilómetros por hora, as contas são fáceis de fazer, mas um mapa desenhado na segunda página do jornal traça o rumo dos ventos e chuvas. O furacão atingirá San Pedro Sula na quarta-feira. Um pouco mais à frente, a conferência de imprensa do responsável hondurenho por protecção civil e a notícia que procurava. Hoje serão encerrados todos os aeroportos junto à costa, incluindo o de San Pedro Sula. Hoje? A que horas? Faço contas outra vez. Se o furacão atingirá a cidade na quarta-feira, é possível que encerrem o aeroporto apenas ao final do dia, mais a mais porque – ao contrário do que seria de prever – está um dia fantástico, o sol brilha e nem um traço de vento.

Apanho um táxi para o aeroporto. Comigo vai Rolando, um viajante vindo do Hawai e cujo voo é apenas amanhã. Vai mais cedo a ver se consegue mudar a sua partida para hoje. Chegamos ao aeroporto. Tudo a funcionar normalmente. No balcão de check-in nem vestígios de qualquer alteração à normalidade. Pago as taxas, passo a segurança, espero e embarco. Na minha cabeça, mais que um furacão, está um turbilhão de memórias e emoções. A Viagem ao Centro das Américas está quase no fim. Pela janela do avião vejo as palmeiras, o verde claro da luz brilhante do sol, as montanhas, o azul, as nuvens, o ar, o espaço.

Viagem ao Centro das Américas 62

Gracias Lempira - Santa Rosa Copan - San Pedro Sula, Honduras
A última viagem de autocarro



Viagem ao Centro das Américas 61

Existe uma América Central que não aparece nas fotografias da minha viagem. A América Central dos homens dormindo nas ruas, abandonados, bêbados, finalmente esquecidos da merda de vida que levam; a América Central dos putos de roupas sujas e rasgadas, de peso à cabeca ou às costas, trabalhando ao lado dos seus pais. Não tirei nenhuma fotografia à mulher que em Livingston, Guatemala, se arrasta pelas ruas com uma cadeira servindo-lhe de muleta enquanto grita “please help me, some money” numa voz de choro, nenhuma fotografia aos velhos e velhas de mãos estendidas e corpo estropiado. Não tirei fotografia alguma porque tenho vergonha de o fotografar, porque me parece uma ofensa apontar a minha câmara fotográfica de 500 euros a um homem que nunca viu 500 euros na vida. Podia tê-lo feito com base no argumento “forma de denúncia”. Tretas. Quem visse as fotos diria o mesmo de sempre, o mesmo que eu tantas vezes disse: “Que horror! Impressionante! Como pode ser!” e depois seguiria com o rumo natural das suas vidas. Não, não seria denúncia alguma, seria apenas uma forma subtil de explorar a miséria alheia.

Há algo de errado com o mundo quando crianças fazem as vezes de co-pilotos em autocarros e camionetas, quando crianças trabalham em lojas e servem de guias a turistas tão distantes de si como da sua realidade. Há algo de errado com o mundo quando pais e mães vivem com 1 euro por dia e outros gastam 100 euros numa hora em felicidades feitas de plástico. Ou então pode ser que nada haja de errado com o mundo e sejam apenas as realidades inevitáveis da vida. E afinal vá-se lá saber de que lado mora o certo e o errado, o que é o insuficiente e o suficiente. Eu pergunto apenas porquê porque não percebo. Como podem os miúdos e os homens e mulheres que percorrem estradas e caminhos das Honduras e da Guatemala terem os sapatos rotos e habitarem o mesmo mundo dos miúdos e homens e mullheres que se passeiam pelas ruas de um qualquer centro comercial nas cidades dos Estados Unidos e da Europa, hipnotizados pelas montras e há muito alheios da importancia das suas necessidades básicas. Porque não entendo, pergunto. Porque quanto mais vejo do mundo mais ignorante me sinto.

Não, há uma America Central que não figura no album de fotografias da minha viagem, afinal essa America detentora de algumas das imagens mais fortes e importantes que retive. Estas imagens, estas visões, ficarao todavia sempre comigo. A América Central que não está nas fotografias existe. A América Central das misérias e dos sofrimentos inadmíssiveis existe. E está dentro da minha cabeca.

terça-feira, setembro 4

Viagem ao Centro das Américas 60

Gracias Lempira, Honduras




Viagem ao Centro das Américas 59

Cenas de quotidiano
Gracias Lempira, Honduras



Viagem ao Centro das Américas 58

Águas Termales (Gracias Lempira), Honduras

Sempre gostava de saber para onde foram as 30 lempiras que paguei à entrada...


Cavalos à solta num campo de futebol improvisado. Vai um joguinho?

Eu não me atrevi a entrar na água, mas havia quem se estivesse a divertir deveras.

Viagem ao Centro das Américas 57

Catarata de Pulhapanzak, Honduras


Do lado esquerdo da árvore, a catarata com mais de 50 metros de altura. Do lado direito, a nuvem de salpicos provocada pela força da água a cair.

Viagem ao Centro das Américas 56

Lago Yojoa, Honduras

Sigo viagem e volto a entrar nas Honduras. A viagem aproxima-se de fim e é tempo de começar a relaxar. Talvez por ser final de Agosto, já quase não se vêm turistas por aqui. Relembra-me El Salvador. A primeira paragem na rota da tranquilidade é o lago Yojoa, mais uma das centenas de paisagens naturais que não param de me deixar boquiaberto.


Viagem ao Centro das Américas 55

Viajar é isto. Conhecer gente de toda a parte e depois dizer adeus a gente de toda a parte. Por vezes, o conhecimento dura um par de horas, por vezes um par de dias, excepcionalmente um pouco mais do que isso. O conhecimento do outro é quase sempre enriquecedor porque é também um conhecimento de nós próprios. Porém, como em tudo, há casos em que esse conhecimento é mais profundo, outros em que parece passar ao lado de quem somos. Vulgo é dizer-se que depende da empatia, outras vezes do tempo, quase sempre daquilo que se partilha e da forma como se partilha.
Recordo, por exemplo, o caso de Greg, um canadiano que entrou um dia no mesmo restaurante onde eu estava a almoçar em Cópan Ruínas. Não havia mais nenhum estrangeiro por perto e Greg pediu para se sentar na minha mesa. Conversámos, partilhámos uma refeição. Durante este tempo – não mais que uma, duas horas - Greg contou-me que procurava dar um novo rumo à sua vida. Havia-se licenciado em engenharia, mas sentia que a sua vocação era a de ser professor. Por isso estava nas Honduras, trabalhando como voluntário e tentando descobrir se estava correcta a sua inclinação. Disse-lhe então que também era profesor e que, mais do que isso, sentia desde sempre ser essa a minha vocação e que hoje em dia não tenho a menor dúvida que esse será o meu destino enquanto me for possível. A coincidência foi demasiado óbvia para não ser reconhecida por ambos. Um homem à procura do seu caminho entra ao acaso num restaurante onde encontra outro homem que escolheu para si o caminho que o primeiro homem não sabe se deve escolher. Quando nos separámos tive a impressão de que num instante poderia ter feito diferença na vida de outro ser humano. Assim, num par de horas.
E então há o adeus, o momento da separação que já sabemos de antemão ser inevitável. Normalmente não custa muito, melhor, não custa nada. Não há tempo nem grandes razões para afinidades de maior, basta seguir em frente, continuar o nosso caminho. Francesc e Neus, porém, foram, mais que companheiros de viagem, companheiros de experiências e com eles senti um nível de partilha de uma raridade óbvia, sobretudo quando estamos a falar de viajantes que percorrem juntos uma parte do seu caminho. Francesc e Neus foram as pessoas com quem mais tempo estive durante esta viagem. Creio que terá sido pouco mais de uma semana, mas o que vivemos durante esse período não cabe nas dimensões vulgares de tempo. Acima de tudo, senti que com eles poderia continuar a viagem durante muito mais tempo. A afinidade e a cumplicidade que se desenvolveu entre nós em tão pouco tempo tem tanto de extraordinário como de absolutamente natural. Foi assim uma espécie de encontro automático, a mesma maneira de viajar, a mesma calma, a mesma tranquilidade, as mesmas preferências e o mesmo espírito aventureiro de mudar tudo e todos os planos num simples minuto. Só que então há que dizer adeus. Com Francesc e Neus ficou sobretudo a sensação de ter com eles vivido algo de particular e especial que prevelecerá na memória. Por isso, sinto-me sobretudo grato por os ter conhecido e por com eles ter vivido tudo quando vivi. E sei que nos voltaremos a ver um dia. Hasta pronto, amigos!

Viagem ao Centro das Américas 54

Subida ao Vulcão Pacaya



A "carinha" de parvo tem uma razão de ser. Dada a temperatura junto à lava, tínhamos aproxidamente 4 segundos para tirar uma fotografia e sair dali depressa antes que a pele começasse a estalar. Daí o esgar de sofrimento disfarçado de sorriso.



Pena que nas fotografias não seja possível ver, mas registe-se que aquela coisa vermelha incandescente não parava de correr e de abrir novos caminhos. Mais uma vez, deu para sentir a infinita pequenez do ser humano perante a força dos elementos.

segunda-feira, setembro 3

Viagem ao Centro das Américas 53

Chegamos a Rio Dulce. O plano é separarmo-nos aqui. Neus deverá seguir para Antigua, perto de Guate, de onde partirá dentro de dois dias de regresso a Paris. No último dia que lhe falta irá subir o vulcão Pacaya, um vulcão activo junto à cidade de Antigua. Eu e Francesc temos ainda mais uma semana de viagem, por isso ficaremos um dia mais em Rio Dulce e seguiremos no dia seguinte cada um o seu caminho, Francesc para o Altiplano da Guatemala, eu para a costa das Honduras. Ao sair do barco, sente-se já o "clima" das despedidas. Neus afasta-se para perguntar onde pode apanhar um autocarro para Guate. Eu e Francesc ficamos a conversar e rapidamente chegamos à conclusão que nenhum dos dois gostou muito de Rio Dulce. À primeira vista, é um lugar como Livingston: extremamente turístico que com pouco mais que ver além das águas que o circundam. "Eu, não me importava de subir um vulcão," digo. Francesc olha para mim já com um sorriso. "E porque não?" Neus descobre o autocarro e vem ter connosco para as despedidas. Dois minutos depois, tudo mudou outra vez. Estamos os três dentro de um autocarro com destino a Guate, cheios daquele entusiasmo próprio das mudanças de planos em plena viagem. Sobretudo, continuamos os três juntos e já há muito se percebeu isso nos dá uma alegria contagiante.
Mais uma volta...

Pelo caminho, a habitual campanha eleitoral. Haverá eleições na Guatemala no dia 9 de Setembro, e a "publicidade" a partidos e candidatos está por toda a parte. As pedras que ladeiam estradas e caminhos não são excepção. Há que aproveitar o espaço, pois claro!


Já em Antigua, a foto mais famoso de tudo quanto é guia turístico da Guatemala, a par com as dos autocarros. O lugar chama-se Cerro de la Cruz e à frente pode ver-se a cidade de Antigua e o Vulcão Água.

Viagem ao Centro das Américas 52

De Livingston a Rio Dulce, Guatemala

A viagem é outra vez de barco, mas desta vez a subir um rio pelo meio da selva.






Viagem ao Centro das Américas 51

Livingston, Guatemala









Como sempre, cai a noite, caem as tempestades. Um espectáculo incansável.

Viagem ao Centro das Américas 50

De Placencia, Belize, a Livingston, Guatemala, pelo mar das Caraíbas

Depois de muitas viagens de autocarro e colectivos a abarrotar de autóctones, chegou a vez de cruzar fronteiras marítimas. Em Placencia apanhamos um barco que nos há-de levar até à Guatemala pelo meio das águas azul turquesa do Caribe.

O nosso capitão.

No cais de embarque, em Placencia.

É quase sempre a abrir...

...mas a meio da viagem paramos numa das muitas pequenas ilhas que contornam a costa do Belize e ficamos assim, parados no meio das águas tranquilas e límpidas.


Snorkeling in Belize! Estão a ver aquela ideia de águas de uma limpeza cristalina, o fundo cheio de corais e seres vivos e peixes de múltiplas cores, tudo inundado pela luz do sol que penetra até ao fundo? Estão ver aqueles anúncios sobre férias paradisíacas? Pois, existe mesmo, andei por aqui a nadar mais de uma hora com o tubo engalfinhado nos óculos de mergulhador e a cara colada ao espectáculo de vida que decorre nestas águas pouco profundas. É claro que o facto de a água estar quase a 30 graus centígrados também ajuda!

domingo, setembro 2

Viagem ao Centro das Américas 49

Mensagem dos Belizeanos para o mundo. É assim tão difícil?

Para o Sérgio

Viagem ao Centro das Américas 48

Placencia, Belize
Lugares assim, pensava que já não existiam. Uma aldeia á beira do mar das Caraíbas, quase nenhum turista e nem um resort de luxo. No fundo, a recompensa para quem apanha quatro autocarros por dia para cá chegar.


Do hotel, a vista. Placencia é apenas um banco de areia e o mar das Caraíbas por todos os lados. Isto, portanto, era acordar de manhã, descer as escadas, atravessar a única rua da aldeia (um passeio chamado Easy Street que, de tão pequeno, nem se ve na foto) e mergulhar nas águas mais quentes que alguma vez senti. Vida dura...


Os putos. Sempre na calma.

Francesc, eu e Neus. Depois de um dia num lugar assim, já começámos a falar em "cambiar nuestros vuelos". Brincadeira, claro, mas a brincar a brincar...

Segue o espectáculo da vida.



Final do dia. Está na hora de abrir umas cervejas Gallo e ficar pelo areal a aproveitar o vento quente que sopra de noite e o luar que enche o horizonte.

Para o Sérgio