domingo, abril 15

Diários do Deserto 5

O início da aventura

Por entre a confusão das ruas de Marrakech, caminho lentamente ao acaso. Há vendilhões e turistas, gentes que passam apressadas, umas para parte alguma, outras para parte incerta. Chove. No entanto, não passa muito tempo até que a chuva se detenha e o sol surja esparso por entre um arco-íris que atravessa os céus da cidade. É uma visão de idílio entrecortada pelo caos dos motores e das vozes e dos gritos que enchem todo o espaço ao redor. Caminho ao acaso e penso no que fazer, como farei para chegar até esse lugar que aqui me trouxe, como hei-de de fazer para tomar o rumo dessa desconhecida fronteira que é o deserto. Estranhamente, porém, parece-me que aguardo. Nada decido, a nada me comprometo. Deleito-me na tranquilidade que me tomou todos os sentidos desde que aqui cheguei, permanecendo imerso na velocidade do universo mas sem o contrariar ou apressar, antes deixando-me arrastar pelo tempo certo dos elementos.

Caminho um pouco mais e por entre encantadores de serpentes imaginárias e carrinhos coloridos que vendem sumo de laranja, desemboco uma vez mais na praça Djemaa el-Fna, esse lugar que, mais que o centro de uma cidade, parece ser o centro de milhares e milhares de vidas que por aqui se cruzam. Decidido a contemplar o movimento, procuro uma esplanada onde possa beber o primeiro café em terras de África. Sento-me e deixo o corpo encostar-se de encontro à madeira escura da cadeira que me assenta como um colo. Não passam mais de dois, três minutos até que sinta um toque no ombro e uma voz que se me dirige em tom afável. A voz, primeiro em espanhol e depois num inglês quase macarrónico, vem de um homem grande e de rosto macio. Tem uns olhos redondos e escuros, tão expressivos que penso não poderem pertencer a um homem vulgar. O sorriso e a beleza ainda assim não escondem a marca de um sofrimento que se adivinha mas que é ainda cedo demais para entender. Está sozinho e é sozinho que viaja, a primeira pessoa com quem falo desde que cheguei a Marrocos e a Marrakech e a África. Diz “Javier” e estende a mão para que troquemos as apresentações. A sua primeira frase, todavia, não é nem feita de nomes nem de quaisquer convenções. É uma frase que me faz sorrir e entender o porquê de haver tanto sentido no acaso e qual afinal a razão nada racional de sentir tanta tranquilidade desde que aqui cheguei. “Estou à procura de alguém para ir ao deserto,” diz-me como se soubesse, como se tivesse estado aqui sempre à minha espera, como se nada mais houvesse na sua vida além desta missão de aqui estar à espreita do meu destino. Sorrio tanto de surpresa como de certeza. A roda do universo terá iniciado o seu inexorável movimento. A aventura está prestes a começar.

1 comentário:

Anónimo disse...

"Quando a mente não está ocupada pela realidade - por coisas, por pensamentos- então há aquilo que é. E aquilo que é, é verdade. Só no vazio há um encontro, uma fusão." ( Osho, Intuição, conhecer para além da lógica)