quinta-feira, abril 12

Diários do Deserto 3

Viagem a solo

Ao chegar, é inevitável deparar-me com a solidão em que me encontro por ora. Viajo sozinho, estou só. Primeiro que tudo há o silêncio. O silêncio em mim, o silêncio de tudo existir à minha volta sem que uma palavra me cruze os lábios. Os sons ao redor percebem-se mais, são mais intensos e presentes porque não há som em mim. Mas não é só na cacofonia dos elementos que é perceptível a ausência de companhia. O mesmo se passa com as cores e com os cheiros. Tudo o que me cerca cerca-me mais, faz-me sentir mais como a parte de um todo. Depois há a calma de caminhar, de percorrer os lugares ao ritmo único de mim mesmo. Penso e sinto e percebo que também assim deveria ser na vida, ter o tempo todo e ser em mim apenas o que sou. O tempo. O tempo para olhar, o tempo para sentir, o tempo para escrever sobre o que sucede e assim cimentar a certeza do que se viveu, o tempo a que se perde a conta de tão devagar que passa.

Volto ao silêncio. Dele resulta a ausência de julgamento, a não verbalização de quaisquer juízos de valor. É esse silêncio que me faz receber em cheio o mundo, com a força de ser meramente aquilo que é. Fernando Pessoa escreveu um dia, no meio dos seus desassossegos, Que me pode dar a China que a minha alma não me tenha já dado? E, se a minha alma mo não pode dar, como mo dará a China, se é com a minha alma que verei a China, se a vir? Poderei ir buscar riqueza ao Oriente, mas não riqueza de alma, porque a riqueza da minha alma sou eu, e eu onde estou, sem Oriente ou com ele. Viajar a solo é a junção de duas dádivas, daquilo que nos é dado pela “China”, pela Índia ou por Marrocos e daquilo que a nós mesmos nos damos por estarmos tão perto de nós.

1 comentário:

Anónimo disse...

às vezes...aqui, agora, estamos perto de coisa nenhuma. Tocamos e nada temos..somos pouco, sentimo-nos pouco..e queremos muito.

Um dia, deixamo-nos simplesmente conduzir por uma força interior e vamos ...para além...onde não há nada... e estamos afinal perto de tudo. Sem querer...sem esperar...sem saber...a lógica da vida aparece, não pedimos e temos...não olhamos e descobrimos...