quarta-feira, abril 25

Diários do Deserto 10


Às portas do deserto

As montanhas do Atlas. Não cabem em palavras, por isso, por ora, limitar-me-ei a dizer que as atravessei. Os picos de neve e os vales de verde profundo. Passando, chegámos a Aït Benhaddou, um espécie de porto de abrigo na estrada entre Marrakech e o Sahara. É uma pequena vila rodeada por uma paisagem vasta e árida de montes rochosos, mas com alguns pontos de verde que lhe dão quase um aspecto de oásis. Sendo património mundial da UNESCO, é sobretudo famosa por ter sido, e ainda ser, palco e cenário de muitos filmes, uns mais “hollywoodescos” que outros, alguns mais famosos, outros menos. Lawrence da Arábia, Jóia do Nilo e Gladiador são alguns desses filmes, mas a mim pareceu-me mais natural o facto de aqui terem sido filmados Jesus da Nazaré e A Última Tentação de Cristo. De facto, não seria necessário grande esforço de imaginação para darmos connosco na bíblica Galileia. Pena é que a espiritualidade se esgotasse por aqui, dado o volume de turistas e comerciantes.

O crepúsculo não vinha longe quando deixámos Aït Benhaddou para trás e tomámos a estrada para Zagora, cada vez mais para Este, cada vez mais para Sul. Passámos por Ouarzazate e os seus monumentais estúdios cinematográficos. Caiu a noite e era já noite cerrada quando chegámos finalmente a Zagora, aquele que será o nosso derradeiro ponto de partida para o mar de rochas e areia. Será também onde abandonaremos momentaneamente o nosso veículo, pois daqui em diante os trilhos e caminhos não se compadecem com a fragilidade própria dos citadinos. Zagora, segundo diz o famoso sinal na saída leste da cidade, fica a 52 dias de camelo de Tombouctou, no Mali, esse lugar que ganhou fama de quase inalcançável. O sinal pode ser recente, tal como a cidade, mas a sua presença indica claramente que estamos em terras do Sahara. Assim mesmo o indica o vento que sopra, a cor da terra, os palmeirais que se avistam no sopé dos montes que nos rodeiam. Sinto-me aqui, aqui e agora, completo. Mas por enquanto o tempo que nos resta é utilizado para as habituais negociações e concessões de quem viaja em grupo. Entrementes, conhecemos Tahar, que há-de ser o nosso guia até às dunas de Erg Chigaga, não muito distantes da fronteira com a Argélia. Fica então estabelecido que haveremos de partir na manhã do dia seguinte, em rumo definitivo ao imaginário que aqui nos trouxe.

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