5. Rio de Ouro
O comboio vai cheio. Não há um único lugar à janela. Li algures que esta é uma das mais míticas viagens de comboio do mundo. Entre centenas de turistas, há gente a caminho da sua terra ou talvez em visita a familiares distantes. O Douro não está só do lado de fora das janelas. Vai aqui dentro, sentado por entre máquinas fotográficas e de filmar. As conversas misturam a Língua Portuguesa com as de outras paragens. Famílias de emigrantes, em que os pais falam a língua de Camões e as crianças misturam gramáticas francófonas. Muitos dos pais são casais ainda jovens, o que me faz pensar que esta história ainda não acabou no imaginário de uma mala de cartão.
O comboio demora quase duas horas a chegar à Régua. Vê-se o Douro, mas ainda não se vê o Douro todo. Mas parece que alguém se esqueceu de avisar os passageiros. Diria que mais de setenta por cento dos passageiros sai. O comboio avança para o interior e não passam mais que duas estações até o Douro descobrir todo o seu esplendor. Agora há mais lugares vazios e é possível ver a paisagem das janelas abertas. Por vezes, há barcos que acenam do rio. Do comboio, os passageiros respondem. É como se soubéssemos todos o que partilhamos, como se a paisagem nos tornasse cúmplices de um milagre.
Na estação de Pinhão, sai a outra metade dos passageiros. Nesta carruagem, não somos mais de seis. Ainda falta para chegar ao Pocinho, a estação terminal já não muito longe da fronteira. Em tempos a linha corria montanhas e planícies até Salamanca, ligando o Porto ao resto da Europa e Portugal à revolução industrial. Mas essa é uma realidade do passado. A do presente é este deslumbre que se avista por entre o vento. É impossível não pensar que a minha terra é absolutamente espectacular, mas ao mesmo tempo perguntar como pode um recurso destes não estar mais aproveitado.
A chegada ao Pocinho acontece ao princípio da tarde. O calor morde a pele sem misericórdias. É o fim da linha e o cenário é quase vazio. O Pocinho é uma rua que sobe para uma estrada que passa. Há dois restaurantes e mais nada. Não importa. A paisagem atrás de mim é suficiente para encher uma vida.
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