3. Porto sem fim
Caminho ao longo da Rua de Santa Catarina como um transeunte que conhece a sua cidade. Na esplanada do Majestic, turistas e empregados de laço, o Porto menos Porto. À esquina da Rua Formosa, é fim de tarde e uma mulher toca violino. O ar toca música que só pode ser de paixão, esta cidade feita de corações sérios. As línguas falam palavras que se confundem com a música e fazem sempre sorrir. Nisto, as gentes respiram a cidade como se as ruas fossem veias. Entre o Bolhão e a Rua da Firmeza, um casal envergonhado conversa com uma mulher mais velha. “Olhe, digo-lhe já menina, tem aqui um rapaz muito bem educado, muito sério…” A rua passa por mim sem se deter, mas consigo perceber que falam de casamento, de escolhas para a vida e para a morte. O Porto ama a brincar paixões que se fazem sérias.
Viro a direcção e desço a Rua Sá da Bandeira até ao largo do Rivoli. A tarde vai-se fazendo noite, mas as pedras onde me sento escaldam como o dia que passou. Uma mulher jovem de saia azul desce umas escadas a meu lado saltitando como uma criança. Olha para mim de frente e desvia o rosto com um sorriso de vergonha, como se tivesse partilhado a alegria com um estranho. Tento disfarçar-lhe o embaraço e fixo o olhar do outro lado da praça. Em frente ao teatro, dois rapazes fumam e riem alto. O calor da pedra torna-se insuportável e volto a levantar-me. Sigo pela Rua Magalhães Lemos até aos Aliados. A avenida das vitórias e das celebrações está cheia de música. Junto à câmara municipal, uma esplanada derrama cerveja sobre o calor dos que nela se sentam. Desço junto ao café Guarany, mas a esplanada pouco tem de Porto, outra vez inundada por estrangeiros de ar feliz. Cá em baixo, a tarde acaba de vez na Praça da Liberdade.
Volto ao Hotel Peninsular à procura de descanso antes de subir até aos Clérigos para refrescar a garganta. A noite avança e com ela vem então o Porto da juventude, dos corações menos sérios, das paixões de circunstância e do movimento constante. Vou buscar mais uma cerveja ao Piolho e sento-me definitivamente na Praça dos Leões. Há adolescentes correndo de skate e patins em linha e crianças soltando gargalhadas que se confundem com as campainhas das bicicletas. Encostados às portas da reitoria, uma rapariga toca guitarra enquanto os amigos cantam e conversam. Quando a rapariga pára de tocar, um dos rapazes do skate aproxima-se dela e pede-lhe a guitarra emprestada. O rapaz senta-se no chão com a viola e todos os outros param à sua volta. Pouco depois estão todos a cantar um refrão que termina com “sabes que gosto de ti” mas que não consigo identificar a origem. Não importa. Volto ao Piolho uma e outra vez, a ver se arrefeço a noite em copos de plástico a transbordarem de espuma. De novo na Praça dos Leões, sento-me no chão até que chegue o cansaço. Mas o Porto não acaba nunca. É cidade de paixões e amores sérios.
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