Varanasi
As cores que se precipitam sobre as águas castanho escuras da morte e da vida, as vozes que vêm gritando e que tanto gritam que parece que falam, que parece que cantam, os cânticos e orações que enchem o ar e se derramam sobre a luz. A luz. O céu reflectindo as águas que por sua vez se estendem até ao horizonte onde o sol se põe e se nasce, as casas velhas de milhares de anos que se esmagam por entre os templos, os telhados que mudam de cor à velocidade louca do dia. Os barcos que se assomam à tona do rio trazendo lá dentro os homens e as mulheres daqui, as mulheres e os homens de longe, os corpos que passam e nadam e nadam alheios à correnteza. A mesma correnteza que consigo tudo arrasta, os cadáveres de animais, os corpos mal queimados das crianças há pouco nascidas sem terem nascido, as velas que nunca se apagam e flutuam no seu curso de prece e de perdão, as folhas e as flores arrancadas às margens e às mãos dos que as abandonaram. A tudo arrasta a corrente, arrasta a morte e arrasta a vida, as mesmas que se vêem dos cais e suas escadarias, das ruas que desembocam cansadas e frenéticas e se precipitam sobre as multidões. As ruas estreitas, apinhadas, o cheiro fétido, podre, os excrementos que das entranhas vomitam a indiferença, os moribundos, os pedintes que de ossos retorcidos se arrastam pelo pó à espera que o pó os coma. Os traficantes, os vigaristas, os peregrinos, os viajantes sem destino, os que pela vida lutam e lutam, os que se quedam alheios ao tempo. A confusão, o caos, os cosmos das mães que carregam os filhos junto a si como se fossem um só ser, as mãos fraternas que passam dadas sem pudor. Os sorrisos das crianças, os sorrisos escondidos das mulheres, os olhares atentos dos homens, a fabulosa presença da humanidade. E outra vez o rio. As gentes que se agitam, que mergulham, que emergem com o riso nos rostos, que de olhos cerrados oferecem aos deuses a água que de si brota, os corpos que se encostam uns aos outros para que se não percam, os corpos que tapam a vergonha com mantos e tecidos vermelhos, amarelos, verdes, azuis, roxos, laranjas, constelações de cores. Os corpos que ardem. Por cima das madeiras que alguém cuidadosamente dispôs para que se façam em nada as vidas que um dia hão-de renascer. Os choros contidos, os silêncios desabafados na contemplação do fogo, as roupas secando junto às chamas como restos de náufragos sem salvação. A Morte. O Homem. A Vida. Deus e o Diabo pintando a mesma tela.
As cores que se precipitam sobre as águas castanho escuras da morte e da vida, as vozes que vêm gritando e que tanto gritam que parece que falam, que parece que cantam, os cânticos e orações que enchem o ar e se derramam sobre a luz. A luz. O céu reflectindo as águas que por sua vez se estendem até ao horizonte onde o sol se põe e se nasce, as casas velhas de milhares de anos que se esmagam por entre os templos, os telhados que mudam de cor à velocidade louca do dia. Os barcos que se assomam à tona do rio trazendo lá dentro os homens e as mulheres daqui, as mulheres e os homens de longe, os corpos que passam e nadam e nadam alheios à correnteza. A mesma correnteza que consigo tudo arrasta, os cadáveres de animais, os corpos mal queimados das crianças há pouco nascidas sem terem nascido, as velas que nunca se apagam e flutuam no seu curso de prece e de perdão, as folhas e as flores arrancadas às margens e às mãos dos que as abandonaram. A tudo arrasta a corrente, arrasta a morte e arrasta a vida, as mesmas que se vêem dos cais e suas escadarias, das ruas que desembocam cansadas e frenéticas e se precipitam sobre as multidões. As ruas estreitas, apinhadas, o cheiro fétido, podre, os excrementos que das entranhas vomitam a indiferença, os moribundos, os pedintes que de ossos retorcidos se arrastam pelo pó à espera que o pó os coma. Os traficantes, os vigaristas, os peregrinos, os viajantes sem destino, os que pela vida lutam e lutam, os que se quedam alheios ao tempo. A confusão, o caos, os cosmos das mães que carregam os filhos junto a si como se fossem um só ser, as mãos fraternas que passam dadas sem pudor. Os sorrisos das crianças, os sorrisos escondidos das mulheres, os olhares atentos dos homens, a fabulosa presença da humanidade. E outra vez o rio. As gentes que se agitam, que mergulham, que emergem com o riso nos rostos, que de olhos cerrados oferecem aos deuses a água que de si brota, os corpos que se encostam uns aos outros para que se não percam, os corpos que tapam a vergonha com mantos e tecidos vermelhos, amarelos, verdes, azuis, roxos, laranjas, constelações de cores. Os corpos que ardem. Por cima das madeiras que alguém cuidadosamente dispôs para que se façam em nada as vidas que um dia hão-de renascer. Os choros contidos, os silêncios desabafados na contemplação do fogo, as roupas secando junto às chamas como restos de náufragos sem salvação. A Morte. O Homem. A Vida. Deus e o Diabo pintando a mesma tela.
1 comentário:
Olá Pedro. Como comentar aqui e assim? Dizer "gostei muito" chega? Quer dizer alguma coisa? Não vou deixar um comentário. Quero apenas
dizer: bem-vindo a casa.
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