segunda-feira, setembro 11

9/11

Que esperamos para viver as nossas vidas?



Há cinco anos atrás neste dia, quatro aviões cortam os céus da América – the land of the free – e levam consigo o destino medonho da guerra. A história está mais que contada, por isso todos sabemos que destino tiveram essas aeronaves. Três mil vidas se perderam nesse dia. Num ápice. Porém, essas vidas não estavam em guerra, não habitavam parte nenhuma do globo onde ela tivesse lugar, não corriam risco algum. Eram “apenas” as vidas das gentes ditas normais, ainda por cima respirando no lado mais desenvolvido do planeta. Uma absoluta e perfeita banalidade. A vasta maioria dessas vidas limita-se a acordar para mais um dia, provavelmente toma o seu café, come a sua torrada, lê o jornal, as notícias do dia e os resultados do desporto, beija os filhos antes de os deixar à porta do colégio, estaciona o carro, apanha o comboio que a há-de levar ao destino final, faz o mesmo percurso de sempre até chegar ao seu escritório de sempre, as secretárias repletas de papéis pousados que mais tarde hão-de voar como se estivéssemos diante de uma parada, os ecrãs apagados prestes a ganhar vida, a vida prestes a apagar-se. Há as conversas de circunstância, os cumprimentos rotineiros, os sorrisos dos chefes, a cumplicidade entre colegas, as queixas, os lamentos, os triunfos sussurrados em segredo, os feitos anunciados para glória da equipa, o trabalho faz-se. Há os últimos olhares para as fotografias emolduradas dos entes queridos, a contemplação do firmamento, como está azul o céu lá fora, é Verão, as férias ainda não há muito que se acabaram, as recordações dos mares, das praias, das cidades de um outro mundo ao qual jamais haverá regresso. Há a correria dos telefones, das máquinas fotocopiadoras, o tinir dos elevadores, o dia que começa.
Nós, a monumental maioria de nós, não trabalhava no World Trade Center ou no edifício do Pentágono nem nesse dia, nem noutro dia qualquer. Somos o resto do mundo, os que do sofá assistiram a tudo pela televisão, os que estão vivos. A grande maioria de nós fez talvez nesse dia o mesmo que fez e faz em tantos outros. Acordámos para mais um dia, tomámos o café, lemos o jornal, beijámos os filhos, estacionámos o carro, apanhámos o comboio, ligámos o computador, sorrimos para o chefe, conversámos com os colegas, queixámo-nos, lamentámo-nos, partilhámos em silêncio triunfos e anunciámos feitos. Trabalhámos, olhámos as fotografias emolduradas da nossa cara-metade, lembrámos as férias, o mar azul, os lugares a que talvez um dia regressemos, repetimos a mesma rotina, os mesmos gestos, os mesmos rituais da modernidade.
E todos sonhámos. O corrector da bolsa dirigindo-se ao seu gabinete lembrando o fascinante livro de aventuras que lera na noite anterior, a professora de liceu caminhando ao longo da avenida pensando no amor que um dia recebeu, que um dia há-de receber, o empregado de café sorrindo de exaltação com as viagens que um dia ainda há-de fazer, a secretária abnegada olhando o segurança enquanto inventa as frases que lhe dirá entre os lençóis que hão-de partilhar, a motorista do autocarro atenta ao trânsito enquanto se pergunta para quando a casa sobre o mar, o advogado que um dia há-de deixar tudo para trás e habitar a montanha do seu silêncio, o operário, a contínua, o jardineiro, a simples funcionária e o sofisticado engenheiro. Nós. Nós todos e eles, os que sonham e sonhavam, os que se perguntam e perguntavam quão diferente pode a vida ser, os que dizem e diziam que isto está tão mau que já nem vale a pena lutar, os que ainda assim diriam que podia ser pior mas como seria bom que fosse diferente. Todos nós iguais, como esses outros a quem no dia mais normal das suas vidas sucedeu a maior das improbabilidades. Os homens e as mulheres sentados às suas secretárias lendo a folha de serviço, o balanço da contabilidade, o jornal sobre coisa alguma, ao mesmo tempo que milhares de toneladas de plástico e metais são projectadas de encontro às suas janelas. Nesse dia, há cinco anos atrás, morreram “apenas” pessoas normais vivendo o mais banal dos seus dias, lembrando-nos que basta um instante para que as nossas vidas não tenham mais por onde esperar.

 Posted by Picasa

Sem comentários: