terça-feira, maio 15

Diários do Deserto 27

Go with the flow

Regressei a Marrakech com a noite e senti de novo a dificuldade de encontrar um lugar para ficar. Todos os hotéis estavam cheios e a cidade a rebentar de gente. Considerei a hipótese de dormir num terraço apesar do céu ameaçador de chuva. Porém, uma vez mais, deu-se o caso de o acaso me fazer sentir ainda mais a inutilidade de se fazerem planos. É de facto incrível como passamos a vida a ralar-nos com isto e com aquilo, a procurar caminhos para depois os perdermos outra vez, a sentir a frustração de não se concretizarem os nossos desígnios, a pensar que a vida é madrasta e a vida é boa porque o que nos acontece se simula nos nossos pesadelos e nos nossos sonhos. E afinal tudo é tão fácil quando simplesmente aceitamos que o que nos acontece é apenas o fruto do nosso caminho, que a essência da vida reside na escolha de comer ou não esse fruto e na forma como o decidimos comer.

Ao chegar a Marrakech já perto das onze horas da noite e sem conseguir um sítio para dormir, pensei que era desta, que finalmente o destino – se destino existe quando é o acaso que dita as regras – me havia trocado as voltas e que afinal sempre algo havia de correr mal nesta viagem. Nada mais errado, nada mais ilusório. No meio de uma rua mal iluminada, entre cenas de pancadaria e homens abandonados, encontrei Andres e Martin, os dois vindos do Equador, país longínquo do outro lado do mundo. Tinham ambos acabado de chegar e estavam também ambos ao sabor da sorte, em busca de um lugar que lhes desse descanso ao corpo depois de uma viagem de mais de nove horas de autocarro. Juntos alugámos o último quarto disponível (para três pessoas, só) situado na última viela de Marrakech. Faltavam-lhes pouco menos de doze horas para saírem de Marrocos e seguirem rumo a Madrid. Despedi-me deles na manhã seguinte, sem mal os ter conhecido, mas decidido a seguir o seu conselho. Durante o pouco tempo em que estivemos juntos, Andres e Martin não pararam de falar em Chefchaouen, uma vila a norte de Rabat, em plenas montanhas Rif. Os acasos são acasos mas devem ser levados a sério. Se dei comigo uma vez mais em Marrakech, ceando com dois improváveis equatorianos que me falavam maravilhas de um lugar, então será melhor seguir as pistas deste caminho. Pouco depois de Andres e Martin terem partido, deixei Marrakech e segui para Rabat, onde é possível apanhar um autocarro para Chefchaouen. Assim, sem rodeios da mente, escolhi o meu próximo destino baseado no que o destino me apresentou. Aguardo na estação de autocarros de Rabat e o sol brilha num fim de tarde tranquilo. Parto dentro de uma hora, uma vez mais sem saber ao que me levo.

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