sexta-feira, maio 11

Diários do Deserto 23

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Deixo Essaouira e sigo de novo rumo às montanhas do Atlas, desta vez para Norte. Javier, José e Vítor ficam todos junto ao mar, os três a falarem de Madrid e das sex shops fantásticas que por lá existem. Assim sendo, estou novamente só. É a primeira vez que tal sucede desde a tarde do dia 1 de Abril, o dia em que cheguei a África. A tarde não chove, as nuvens carregadas no céu abrem passagens por entre as quais espreitam raios de sol e tons de azul. A paisagem tem o encanto de uma aguarela de artista. Avanço pelas montanhas ao som apenas da música, até Tizi n’Test, a mais de 2000 metros de altitude. Quando chego, é já o início do fim da tarde. Nem um turista, nem uma voz, apenas dois solitários contemplam a paisagem. Talvez seja porque a chuva não cai mas ameaça, o certo é que embora passem carros, ninguém pára. A paisagem, essa, é tão ampla e imensa que não cabe num homem só. A contemplação de paisagens infinitas foi coisa que sempre fascinou o Homem e é fácil perceber porquê. Perante algo muito maior que ele mesmo, o Homem deixa-se ficar arrebatado pela beleza e pela transcendência dos sentidos, como se houvesse um reconhecimento e ao mesmo tempo uma tranquila aceitação da sua verdadeira dimensão. Um só homem é pequeno, mas ao mesmo tempo situa-se no centro do universo e é portanto maior que tudo o resto.

Filosofias à parte, sorrio, assobio e canto. Agora que esta viagem ultrapassa a sua metade, não consigo conter a alegria por estar aqui. Talvez que seja por estar só, permito-me finalmente saborear calmamente tudo o que me aconteceu nos últimos dias. Marrakech, a viagem pelo deserto, o contacto humano com as gentes locais e com todos os amigos que já fiz em tão pouco tempo, Essaouira, a vivência total ao sabor do acaso. Apetece-me gritar e grito, apetece-me uma gargalhada e dou. Lembro as palavras de Jorge Palma: “enquanto houver estrada para andar, a gente vai continuar.”

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