8. Viagem pelo meu berço
Consta que foi aqui. Não sei se foi, há até fontes que dizem que não foi, mas isso não parece importar muito aos cidadãos locais. Guimarães é o “berço da nacionalidade”, o lugar onde nasceu e cresceu e viveu o primeiro rei de Portugal. O resto são pormenores literários, coisas para entendidos discutirem em livros e artigos da especialidade. Tudo o mais é orientado em função deste “facto”. Tudo, desde a estátua que fronteia o castelo até ao emblema do principal clube de futebol local. Nesta viagem, Guimarães acontece ao princípio da tarde, já o dia vai longo desde a madrugada do Pocinho e do Douro de ouro. Curiosamente, ou talvez não, ao sair da estação, a primeira avenida que percorro a pé em direcção ao centro é a Avenida D. Afonso Henriques. A avenida desemboca no largo principal às portas do centro histórico, onde a muralha mais famosa de Portugal faz a sua aparição para sempre fotográfica. Mais que isso, o que me chama a atenção é o ambiente de celebração que se vive, as ruas decoradas numa antecipação de festa. Percebo pouco depois que estão prestes a começar as “festas gualterianas”, uma festividade em honra do santo padroeiro da cidade.
Imbuído de espírito lusitano, viro à esquerda e entro na Rua de Camões, onde está a Pensão Petisqueira, o lugar de pernoita. Toco a campainha e passa algum tempo até que a dona da pensão me venha atender. À minha frente está uma porta automática que a senhora puxa com todas as suas forças, colocando as duas mãos sobre os vidros. Faz-me um sorriso vagamente simpático e convida-me a entrar para uma sala escura onde não está uma única pessoa. As luzes apagadas reforçam o efeito das portadas completamente fechadas, dando um ar no mínimo sinistro a este lugar. Mas o quarto é confortável e fresco, além de barato, pelo que aceito ficar. Mais tarde, virei a descobrir que sou na verdade o único hóspede, tomando o pequeno-almoço em silêncio de frente para uma televisão presa no tecto. Isso, porém, será mais tarde. Para já, desço de novo para a rua à procura de um lugar onde dar descanso ao estômago, já sofrido pelas mais de seis horas de viagem que leva por hoje. Ao sair, a senhora pede-me o favor: “Se voltar a entrar e a sair, bata-me com a porta.” Fico a olhar num instante de silêncio estarrecido. Faço o quê? Bato-lhe com a porta? Dou-lhe com ela na cabeça? Arranco-a das dobradiças ou simplesmente ponho a senhora a jeito de uma valente entaladela. Vale-me a linguagem dos gestos, os braços da senhora que me indicam que afinal o que me é pedido é que feche a porta no trinco.
Aliviado, volto ao largo onde está a Cervejaria Martins, um balcão corrido onde servem bitoques e acepipes (uma espécie de tapas) bem regados com cerveja gelada. No tecto, encontro cachecóis de pelo menos metade das equipas de futebol nacionais a par com outras tantas internacionais.
Gosto do ambiente e deixo-me ficar, apanhando conversas e descansando o corpo e a garganta. Numa das paredes, um azulejo escrito em castelhano prende-me a atenção e o sorriso: “La buena vida es cara; la hay más barata, pero no es vida”.
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