segunda-feira, agosto 2

Viagem na minha terra 7

7. Madrugada de Ouro


O dia começa muito cedo. Passa pouco das seis da manhã quando recebo no quarto da albergaria o telefonema do Sr. Carlos, o taxista que me vai levar de Foz Côa à estação do Pocinho. São apenas seis quilómetros, mas a esta hora é impossível apanhar um autocarro (uma evidência cada vez maior desta viagem é que faltam transportes à minha terra). O Sr. Carlos vai pelo caminho em conversa animada. Falamos de maquinistas da CP (os seus mais habituais clientes) e de fogos. “Dão-nos como doidos [aos incendiários], mas eu se os apanhasse, punha-os a trabalhar de sol a sol, a limpar essas matas”. Vou acenando com a cabeça e tentando também dizer que sim, está muito bem, mas o problema é a terra estar tão dividida, haver tantos proprietários que torna mais difícil o acordo na hora de limpar os terrenos. O Sr. Carlos é sensível ao meu argumento, mas depois vem a sua frase mais lapidar, o primeiro grande ensinamento do dia. “Dizem que o mundo está perdido… Ó amigo, o mundo não está perdido, nós é que estamos perdidos.”
Chegamos à estação do Pocinho. Despeço-me do Sr. Carlos na esperança de dias melhores para si e para os seus. O dia vai nascendo e o ar à minha volta tem a calma das madrugadas. O comboio já está na gare, mas antes ainda há tempo para apreciar o cenário em redor. É o que faço, puxando da máquina fotográfica. Daqui em diante, até chegar à estação da Régua, não há nem mais uma palavra. Apenas o disparo da máquina vai entrecortando o deslumbre. Ontem, durante a viagem para aqui, disse para mim que esta havia sido das coisas mais impressionantes que havia visto em todas as minhas viagens. Mas hoje já não consigo dizer nada. São coisas que não cabem em palavras e o mais que faço é tentar captar na objectiva o que sei que não conseguirei captar na objectiva. Acabo por pousar a máquina e encostar a cabeça sobre o ombro na janela. Este é o momento de ouro desta viagem, o instante em que a minha terra é mais minha. 

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