sexta-feira, julho 17

O Cheiro

Havia sempre qualquer coisa ao lume. A cozinha era branca e não tinha tecto. As paredes eram as escadas que subiam até ao terraço onde estava o sol, o mar e o fogo de artifício nas noites de Agosto. O cheiro era a minha avó de avental cinzento inclinada sob o fogão minúsculo que ardia sem fumo.

A praia durava todo o dia e quando voltava já a noite se debatia com o céu cada vez menos azul. Chegava a casa de lábios roxos e o corpo frio das ondas tardias. Só havia um chuveiro e era impensável chegar à mesa coberto de sal e de cheiro do sal. Então havia que esperar que o irmão mais velho sacudisse do corpo os restos de mar.

(ele primeiro, sempre primeiro. os irmãos mais novos não sabem passar à frente.)

O corpo mais frio sentava-se no meio das vozes da cozinha, as conversas dos adultos e a confusão de ser feliz só porque sim. As vozes e o cheiro quente que vinha dos tachos e do lume e das mãos da minha avó era o calor que aliviava a espera.

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