Gosto de viajar devagar. Gosto de ficar por algum tempo numa qualquer cidade ou vila de província. Estou em Copan Ruinas há apenas tres dias, mas o segredo está em criar rapidamente pequenos rituais, hábitos que deem uma sensaçao de que as coisas perduram no tempo. Em Copan, gosto de descer a mesma rua todos os dias, de entrar no mesmo lugar todas as manhas e de comer aí o mesmo pequeno-almoço. Gosto de reconhecer os rostos á minha volta, os mesmos hoje que foram ontem.
Desço a Avenida Mirador e páro à porta do Comedor y Pupuseria Mary. Entro e sento-me na mesa que por acaso é a número 1 e que fica debaixo de uma das ventoinhas no tecto. A sala é um pouco escura e há no ar um estranho cheiro a fumo que se entranha na roupa. Nao há mais nenhum turista porque este lugar nao é central e tem um aspecto simples, um lugar que só praticamente as gentes daqui frequentam. A meio da sala, uma outra porta abre para uma esplanada improvisada com chapéus de sol e mesas de madeira que liga novamente com a rua através de um portao de ferro igual ao de uma garagem. O rádio está sempre sintonizado numa estaçao qualquer local. Música hondurenha, suponho, enche o ar até ser interrompida por publicidade que anuncia os melhores "licuados y jugos naturales" das redondezas. Se é de manha, peço os meus cornflakes com banana. Já sei o que a empregada vai perguntar a seguir. "La leche fria o caliente?" Podia dizer logo quando faço o meu pedido, mas gosto de a ouvir dizer aquela frase com o seu sorriso atencioso. Digo "fria" e o tempo de espera depende do número de clientes que estao presentes. Seja qual for o tempo, acabam por chegar aqueles que sao, sem exagero, os melhores cornflakes que alguma vez comi. O leite é gelado e espesso e o sabor a banana é simplesmente delicioso. De seguida, "un café negro" arruma-me o estomago durante as próximas horas. Vou até ao balcao e na mao levo já as 32 lempiras que entrego à rapariga de camisola cinzenta e avental branco, o cabelo amarrado à volta do seu rosto de índia. Nao peço a conta, pago a conta e nesse gesto há também o reconhecimento de um hábito. A rapariga despede-se com um sorriso e gosto de pensar que aquele sorriso é um "até breve", que também ela reconhece que voltarei. Volto. É hora do almoço. Desço a Avenida Mirador e páro no Comedor y Pupuseria Mary. Entro e sento-me na mesa que por acaso é a número 1 e que fica debaixo de uma das ventoinhas no tecto. A sala é um pouco escura e há no ar um estranho cheiro a fumo...
para a Conceiçao
2 comentários:
…ganhar a cumplicidade dos lugares, reconhecer a melancolia de outros tempos, são para aqueles que procuram o esconderijo da alma.
:-) É... temos esta necessidade de nos sentirmos em casa, mesmo a milhares de kilómetros de distância. Somos ainda animais de hábitos, hábitos que nos lembram que estamos vivos e seguros, e que estamos visíveis aos outros.
Temos a nítida sensação que se não criarmos hábitos e os repetirmos, ficaremos de certa forma "invisíveis" aos outros, e até a nós próprios.
A rotina, de que tanto nos queixamos, é a que nos dá a maior sansação de estarmos vivos, o segredo, é que sempre estivemos, e sempre estaremos.
(Venho de longe e é para lá que vou...) a Amiga Carla.
Ps Gosto sempre do que escreves, pedro. Beijinhos
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