terça-feira, dezembro 29

De Portugal, da pobreza, da tristeza e da perspectiva

Hoje, no já tão afamado jornal i, li uma frase que não me surpreendeu. Não foi surpresa, mas foi suficiente para dar um empurrão ao presente texto. Mais a mais, porque não foi escrita por um jornalista ou cronista ou chamado “opinion maker”. É a frase de um leitor. Manuel Dias Martins escreve do Alandroal para falar de avós e netos, do Natal e das coisas que realmente importam. Gostei de ler a sua carta, mas a frase nela que me prendeu a atenção foi uma que podia ter escutado em qualquer tasco, café ou autocarro da minha cidade. Diz ele, a propósito dos netos, que até consegue acreditar que há Natal e uma esperança para o nosso pobre e triste país. Ora, pensará não o leitor da presente crónica, qual é a novidade? Nenhuma, pois claro, mas aí mesmo reside o motivo de interesse. Como já todos lemos esta frase milhares de vezes e a ouvimos pelo menos outras tantas, vale a pena pelo menos escrever um pouco sobre ela.
Este texto é um artigo de opinião, de reflexão, de impressão. Logo, não me vou socorrer de referências sociológicas de fundo ou de quaisquer outras manhas académicas. A questão é: Portugal é um país pobre e triste? Resposta: não, sim, e depende. Assim também eu, responder é fácil, dirá o leitor. Está bem, mas dizer que uma coisa é um adjectivo qualquer pressupõe sempre alguma forma de comparação. Sobretudo nestes casos de orgulho nacional. Então, sim, Portugal é pobre, se o compararmos com a Inglaterra, mas um paraíso de modernidade social se comparado com as Honduras. Um país triste se outra vez comparado com as Honduras, mas bem mais alegre que os ingleses, excepto se estes estiverem de férias no Algarve ou com os copos, o que vem a dar ao mesmo. Então, depende. Mas o que interessa é o que todos sabemos: de um modo geral, os portugueses acham-se pobres e tristes. Pior, sentem-se pobres e tristes. A questão é pois outra: porque se sentem assim os portugueses? As respostas podem variar, mas antecipo já as mais prováveis que qualquer português médio me diria de imediato. Homem, diriam eles, pois porque é precisamente isso mesmo que são. Pobres e tristes. Ó Chico esperto, deves julgar que a vida está fácil. Não deves é ir ao supermercado. (isto é só doutores, esses é que a levam bem. Por isso é que este país não vai para a frente.). E por aí afora. Seja como for, a resposta standard ficaria sustentada algures a meio caminho entre um raio-x da realidade e uma convicção cultural generalizada.
Pois. Mas já aqui se falou de comparações. A verdade é que, se são pobres e tristes, os portugueses não são assim tão pobres nem assim tão tristes. Podia ser pior. E há trinta, quarenta anos atrás pior era concerteza. (não se admitem aqui vagas teorias defensoras do salazarismo por as mesmas poderem ofender a integridade moral da maioria da população portuguesa com mais de cinquenta anos.) Então, estando mal, mas não estando tão mal assim, onde é que está o problema? O problema está aí mesmo, no mal. É sempre para aí que olhamos. Há-de reparar, caro leitor, quantas vezes no seu trabalho, ou mesmo em casa, para não falar dos jornais, ouve ou lê coisas com carga positiva? Deixo a resposta à consideração. Entenda-se: não estou a tentar pintar o país de cor-de-rosa. Nem duvido de tudo quanto está mal. O sentido da presente crónica não é esse. É antes tentar ver a coisa de uma perspectiva diferente. Por exemplo, já reparou que a frase do leitor Manuel também tem lá dentro a palavra esperança? Reparou? Pode ser que ainda não tenhamos batido no fundo.

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