quinta-feira, agosto 31

Retorno


O homem nasce e desde esse instante começa a ser outro. Outro que não ele, outro ser que ocupará o lugar daquele que verdadeiramente é. Depois, é a história que se conhece: esse outro acaba por se confundir de tal modo com aquele que é que o homem deixa de saber ao certo que verdade é afinal a sua. Começa e vai pela vida acumulando experiências e saberes, as vidas muitas vividas no espaço de uma só. E tantas são essas vidas que se acrescentam ao verdadeiro ser, outras tantas as que fazem crescer o outro que igualmente se julga verdadeiro. O homem vai e eis que a muitos sucede que a dado ponto a confusão se torna em ruído imenso, e difícil é já saber que homem afinal sobrevive por detrás daquele que supostamente vive. Há então quem desista e se entregue à modorra fácil dos dias iguais, quem ao fim do dia lhe sinta a alma bocejar do tédio e da angústia de não encontrar a vida que em si devera ter vivido. Estes, tão certa e fulminante é a sua infelicidade, a lugar algum irão, pois ficarão para sempre sendo um outro qualquer que realmente não vive. Outros há porém, que em face do coração que aos poucos se vai extinguindo, escolhem não desistir. A esses assoma-os a evidência de lhes restar apenas fazer o caminho ao contrário, de partir do outro incrustado no seu ser e ir em busca da verdade que além dele reside. Estão, a partir desse instante, irremediavelmente condenados ao sofrimento, pois esse caminho só pode ser feito à custa do conflito entre o outro e o ser verdadeiro, só pode ser percorrido pela descoberta do que no mais interior de si reside, um ser esmagado pela vida que não viveu. Crucial e necessária é a coragem, vital e decisiva é a determinação para que o homem não se deixe quebrar pela dor de a si mesmo se olhar de frente. Porém, aos que se aventurarem, aos que a si mesmos se forem libertando dos grilhões que outros por eles forjaram, calhará a recompensa maior de todas. Chegarão mais perto do lugar de onde um dia partiram e donde nunca mais se encontraram, agora repletos do conhecimento de um dia se terem perdido. Esse lugar fica longe, longe demais para que uma só vida seja suficiente para o alcançar e disso sabe o homem ao reconhecer quão incompleta é a sua natureza. A viagem, porém, só por si será suficiente, pois daí em diante será como viver de novo a vida e desse reencontro resultará a vivência plena da verdade. O homem existirá então na glória maior de se ser.

3 comentários:

Anónimo disse...

O homem que perdeu a alma, ou a alma que perdeu....

Interessante a forma de apresentação do ser.
É aí q reside o segredo, o ruído. Ninguém disse q ia ser fácil, ninguém disse que estávamos cá para… Sim, sim, n atingimos a meta.
Acredito q só sobrevive um homem (uma alma), mm para os q entram no caminho fácil, se calhar pode ser o seu destino.
Se n houver click, n há mudança.
Tb pode n haver recompensa. Podemos nunca encontrar aquilo que ansiamos, mas andamos no trilho certo.
Primeiro temos q sentir, acredita-se e depois começa a saga.
Pois é, a caminhada…
A.L.

Anónimo disse...

Mais uma coisa, relativamente ao ruído. Temos q sintonizar o sentido da vida.
Temos q estar atentos, por vezes aparecem afinadores.
Seres q percutem as nossas vibrações.
A.L.

Anónimo disse...

"Life is not a series of gig-lamps symmetrically arranged; life is a luminous halo, a semitransparent envelope surrounding us from the beggining of consciousness to the end."
Com estas palavras, Virgínia Woolf procurou definir a experiência da vida humana.
A vida não é um processo linear ou constante, como uma carruagem de rodas paralelas e iluminadas que se deslocam em linha recta. A vida é um conjunto de momentos fragmentados a que conferimos unidade através da memória.
Também o indivíduo se unifica nesse encontro de partículas do seu eu através da memória, da reflexão, do encontro com o silêncio de mesmo, diante da sua consciência, para logo se perder de novo...