sexta-feira, fevereiro 26

A máquina sem tempo


26.02.2010

O despertador aos gritos como se fosse ele que está atrasado. Mas não. Quem está atrasado sou eu. Lá fora, é o Inverno e, já se sabe, o Inverno só piora tudo. Chove. Ou então faz frio. Ou está escuro. Não interessa, estou atrasado. Na casa de banho, pergunto às olheiras quem sou enquanto a torneira pinga num reflexo condicionado. O silêncio da casa é entrecortado pela torrente do chuveiro e os carros que passam ao longe na rua mesmo ao lado. Ouvem-se passos. O vizinho de cima também acorda, também se mexe, também está vivo. Vivo. Se estou, não se nota muito. É tudo automático, os pés nus tocam a superfície onde a água foge a todo o instante. Como o tempo.
O pequeno-almoço é uma pressa entre duas golfadas de sumo e o pão que se mastiga a custo. Quando volto a olhar o relógio, parece que os minutos já passaram todos e as horas se riem de escárnio. Despachas-te, ou quê? Despacho-me. A escova de dentes, o cabelo mal penteado, o rosto que foge do espelho sem se ver.
Pego na pasta e deixo a casa sem olhar para trás. Os estores fechados anunciam a solidão do quarto, a cozinha abandonada nos copos e pratos que repousam no lava-loiça.
(uma casa vazia horas a fio. Será que lá vive alguém?)
O ar frio da rua confunde-se com o bafo do autocarro que passa. A passadeira à frente do meu prédio é a única prioridade que me dão na vontade. De resto, toca a despachar. Ainda dá tempo para um café. Olham-se os títulos dos jornais à pressa e percebe-se que por mais que o mundo mude e por mais que a desgraça aconteça ou o meu clube ganhe, continuo atrasado. Acelero o passo e o relógio deve bater dentro do peito porque também ele acelera. Quanto mais corro, mais depressa o tempo me grita que não posso ultrapassá-lo. Ainda assim, chego. Foi por segundos. Quase respiro fundo, mas o relógio diz-me que é tempo de regressar a casa. O dia acabou.

Sem comentários: