A decisão
Quando contemplo o quadrado electrónico que indica os destinos, percebo que este não é ainda o momento de seguir viagem. Todos os comboios são suburbanos e agora é o tempo certo para desrespeitar a terceira prerrogativa. A menos que queira passar o resto da tarde na Azambuja.
Decido esperar. Passeio à beira do Tejo e volto uma hora depois. Então, já as opções terão mudado. Ressubo as escadarias cinzentas e volto a percorrer o patamar onde se amontoam passageiros aguardando a despedida de Lisboa. Há mulheres com trolleys puxados por braços de plástico, crianças fugindo de mães ansiosas, perdidas no meio das malas e dos pais escondidos por trás de jornais, uma rapariga que passa por mim carregando uma pasta amarela com ar de fim-de-semana universitário, um rapaz familiar de mochila em riste no ombro que lhe sobra livre. Ouve-se um rádio distante da cafetaria onde uma mulher vermelha de avental serve cafés e tostas à indiferença dos que estão prestes a partir. Caminho devagar e a estação passa como um comboio parado entre as linhas.
Volto a contemplar os painéis electrónicos. Os destinos são tão vagos como a minha indecisão. Todos partem para norte e todos partem para longe, o Minho demasiado distante para a vontade que tenho de partir, demasiado remoto para o desejo que sinto de chegar. Chego às bilheteiras. A fila é uma curva de gente entalada entre o ferro e o cimento e o céu azul de Lisboa em pano de fundo. Por trás do vidro um senhor de uniforme verde aperta o colarinho com o pescoço na pressa de responder às vozes exigindo destinos. Do lado esquerdo da cabine, estão as máquinas automáticas onde se pode escolher um caminho com a simples ponta dos dedos. Estão vazias e pergunto-me até onde vai a desconfiança no plano tecnológico que é suposto levar este país para a frente. Toco as luzes e tenho à frente o itinerário do comboio seguinte. O destino último é o Porto, a cidade invicta que me recorda um tempo que não cabe nesta história. Não, não o Porto, antes o itinerário das cidades pelo meio. A primeira paragem será em Vila Franca de Xira, depois o Entroncamento, o ponto onde todas as linhas se cruzam. Faltam nove minutos. Decido seguir até ao Entroncamento e daí seguir no comboio seguinte até à primeira paragem de interesse. O ecrã vai-me indicando os caminhos que hei-de fazer, as paragens que tenho de escolher. O resultado final é Fátima, lugar de aparições e de peregrinações, o destino final de milhares que viajam porque a viagem é já parte do seu destino. Sorrio com a sorte que me calhou, atento ao que em mim escolheu sem esperar pela sorte.
Subo mais uma escadaria. Faltam cinco minutos. Sento-me no chão da gare e aprecio a modernidade que me serve de tecto. Pouco depois chegam as carruagens metálicas como as palmeiras que sobre mim filtram o sol pleno de uma tarde de primavera. Há a confusão das gentes subindo para a sua carruagem, últimas fotografias de grupo de umas férias que terminam, homens sós e mulheres sós, todos agarrados ao mesmo destino. Há namorados que se abraçam e beijam como se o amor fosse acabar no instante em que um comboio se afasta no horizonte.
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