sábado, junho 16

Mezistema


Li algures num livro que quando adormecemos ao nascer do sol o corpo se afoga em mezistemas, isto é, cria em si bolhas de ar que se alojam depois no cérebro até que despertemos. Daqui se segue a estranheza dos sonhos. Encostamos a cara à gravidade e adormecemos para pouco depois darmos connosco no país das maravilhas, um lugar onde Alice tem orelhas de coelho e D. Quixote é gordo como um escudeiro correndo à volta de moinhos. Já me aconteceu, não se riam. Passar a noite aos tombos em aventuras de paixão e folia para depois dar comigo no centro de uma sala redonda cheia de sofás e mesas e armários de livros conversando animadamente. Certa vez, recordo-me, dei um grito de pavor, como se a lucidez da realidade me tivesse interpelado o sonho sem aviso. O armário de livros mediu-me de alto a baixo e ripostou-me em tom paternalista “Acalme-se homem, não vê que estamos a debater o futuro da humanidade?” Dessa vez, não dormi mais. Despertei ainda a tempo de sentir o último mezistema rebentar. O ar esgotando-se e o alívio de me sentir outra vez num lugar da vida real, onde os sonhos não são assim tão simples.

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