quinta-feira, dezembro 31

O fim da história que continua

Hoje é dia 31 de Dezembro de 2009. Não surpreende, portanto, que por toda a parte sucedam as crónicas, os balanços, as histórias, as figuras, enfim, tudo o que directa ou indirectamente gravou o seu nome na década que agora finda. O exercício não é original, mas nem por isso deixa de ser proveitoso. E global. Não há país ou aldeia que não se dedique a saber afinal que coisa foi esta que passou nestes últimos dez anos. Já se sabe que opiniões são para dividir e consensos são para procurar, não obter. Ainda assim, do que li e observei, poderia retirar duas palavras-chave: zero e terrorismo. Resumidamente, passo a explicar.

A primeira, zero, segue não só dos números mas também desta assunção mais ou menos geral: não avançámos grande coisa. Dez anos passaram, mas o que aumentou mais que o tempo foram os problemas. Ele foi crises e greves e guerras, para não falar do ambiente e do aumento dos divórcios e do declínio dos valores. Seja como for, zero é porque parece que a humanidade se esqueceu de evoluir. Mas ainda assim zero também é neutro. Ou pelo menos não chega a ser negativo. Fica a expectativa para o que aí vem.

A segunda, terrorismo, segue de uma incontornável evidência: 11 de Setembro de 2001. Dá a impressão que quase tudo o que daí para a frente se passou foi uma consequência do ataque ao World Trade Center em Nova Iorque. E um nome fica também para sempre ligado a tudo isto, quer se queira quer não: George W. Bush. Mas ainda assim, é bom lembrar que a década termina com um Nobel da Paz sentado na Sala Oval. Como diz o outro, a ver vamos.

Posto isto, não interessa alongar-me aqui muito sobre opiniões e factos. A década foi o que foi. E mais nada. Termino antes aproveitando uma ideia da revista New Yorker. A conceituada revista nova-iorquina pediu aos seus colaboradores que seleccionassem o momento da década ao mesmo tempo que apontavam a sua maior expectativa para a década que aí vem. Ora, eu, que passo o ano em casa junto dos meus, resolvi perguntar à juventude que por cá habita a mesma coisa. O que se segue é então os depoimentos da miudagem, todas com idades abaixo dos dezoito anos. Atentem bem, pois, no que se passou entre o zero e o terrorismo e pelo que a canalha torce para o que há-de vir.

C. L., 18 anos:

Entre os 8 e os 18, escolho dois momentos: o meu primeiro namorado e a minha primeira saída à noite. O que espero é conseguir entrar no mundo dos adultos. E em grande.

B. L., 16 anos

O mais marcante da década também foram dois momentos: a viagem à Eurodisney em Paris e a ida ao Rock in Rio. O que espero é terminar o secundário com média suficiente para fazer o que quero fazer. Mas o que queria mesmo era ir ao parque temático do Harry Potter na Flórida.

J. B., 13 anos

O grande momento da década foi os nascimentos dos meus três irmãos. O que quero para a próxima é simples: comprar as botas supergiras que sempre quis e ir aos saldos algures nos Estados Unidos.

S. L., 12 anos

Houve muita coisa, mas nada supera a viagem à Tunísia em que quiseram trocar a minha irmã por um camelo. Para o que aí vem, a maior expectativa é ir à Disneyland na Flórida.

E pronto. Foi assim o decénio, há-de ser o que quisermos e conseguirmos. Se parece pouco, aí fica então a expectativa final da mais jovem de todas, a minha avó de 81 anos: que sejam felizes.

terça-feira, dezembro 29

De Portugal, da pobreza, da tristeza e da perspectiva

Hoje, no já tão afamado jornal i, li uma frase que não me surpreendeu. Não foi surpresa, mas foi suficiente para dar um empurrão ao presente texto. Mais a mais, porque não foi escrita por um jornalista ou cronista ou chamado “opinion maker”. É a frase de um leitor. Manuel Dias Martins escreve do Alandroal para falar de avós e netos, do Natal e das coisas que realmente importam. Gostei de ler a sua carta, mas a frase nela que me prendeu a atenção foi uma que podia ter escutado em qualquer tasco, café ou autocarro da minha cidade. Diz ele, a propósito dos netos, que até consegue acreditar que há Natal e uma esperança para o nosso pobre e triste país. Ora, pensará não o leitor da presente crónica, qual é a novidade? Nenhuma, pois claro, mas aí mesmo reside o motivo de interesse. Como já todos lemos esta frase milhares de vezes e a ouvimos pelo menos outras tantas, vale a pena pelo menos escrever um pouco sobre ela.
Este texto é um artigo de opinião, de reflexão, de impressão. Logo, não me vou socorrer de referências sociológicas de fundo ou de quaisquer outras manhas académicas. A questão é: Portugal é um país pobre e triste? Resposta: não, sim, e depende. Assim também eu, responder é fácil, dirá o leitor. Está bem, mas dizer que uma coisa é um adjectivo qualquer pressupõe sempre alguma forma de comparação. Sobretudo nestes casos de orgulho nacional. Então, sim, Portugal é pobre, se o compararmos com a Inglaterra, mas um paraíso de modernidade social se comparado com as Honduras. Um país triste se outra vez comparado com as Honduras, mas bem mais alegre que os ingleses, excepto se estes estiverem de férias no Algarve ou com os copos, o que vem a dar ao mesmo. Então, depende. Mas o que interessa é o que todos sabemos: de um modo geral, os portugueses acham-se pobres e tristes. Pior, sentem-se pobres e tristes. A questão é pois outra: porque se sentem assim os portugueses? As respostas podem variar, mas antecipo já as mais prováveis que qualquer português médio me diria de imediato. Homem, diriam eles, pois porque é precisamente isso mesmo que são. Pobres e tristes. Ó Chico esperto, deves julgar que a vida está fácil. Não deves é ir ao supermercado. (isto é só doutores, esses é que a levam bem. Por isso é que este país não vai para a frente.). E por aí afora. Seja como for, a resposta standard ficaria sustentada algures a meio caminho entre um raio-x da realidade e uma convicção cultural generalizada.
Pois. Mas já aqui se falou de comparações. A verdade é que, se são pobres e tristes, os portugueses não são assim tão pobres nem assim tão tristes. Podia ser pior. E há trinta, quarenta anos atrás pior era concerteza. (não se admitem aqui vagas teorias defensoras do salazarismo por as mesmas poderem ofender a integridade moral da maioria da população portuguesa com mais de cinquenta anos.) Então, estando mal, mas não estando tão mal assim, onde é que está o problema? O problema está aí mesmo, no mal. É sempre para aí que olhamos. Há-de reparar, caro leitor, quantas vezes no seu trabalho, ou mesmo em casa, para não falar dos jornais, ouve ou lê coisas com carga positiva? Deixo a resposta à consideração. Entenda-se: não estou a tentar pintar o país de cor-de-rosa. Nem duvido de tudo quanto está mal. O sentido da presente crónica não é esse. É antes tentar ver a coisa de uma perspectiva diferente. Por exemplo, já reparou que a frase do leitor Manuel também tem lá dentro a palavra esperança? Reparou? Pode ser que ainda não tenhamos batido no fundo.

segunda-feira, dezembro 28

De Bicicletas e Memórias


(texto lido a propósito do lançamento do livro Bicicletas para Memórias e Invenções 5 – colectânea de contos dos alunos da Companhia do Eu)



A primeira paixão que perdi foi o Verão. Acabava. Os dias cada vez mais curtos, Outubro cada vez mais perto e o calor escorrendo como a areia que desaparecia por baixo das marés vivas. O tempo também acabava e com o fim vinham os comboios a caminho do Rossio e o trânsito parado na avenida. O Verão acabava e a bicicleta ficava lá, no Alentejo. Com a bicicleta ficavam também as gargalhadas dos amigos e o vento que me batia no rosto antes da cozinha da minha avó. A bicicleta ficava lá, encostada à parede e o que trazia comigo eram as saudades da liberdade.

(o cheiro quente da casa, a água do rio que se fazia sal por cima da pele.)

A primeira paixão que venci foi o Verão. Voltava. Os dias cada vez mais largos e a ansiedade das ondas e dos risos soltos no ar do cais. Então, entendi a sorte de me ser. Ter uma paixão que sempre termina, mas sempre volta. Como uma mulher que nos abraça e nos solta e segue abraçando-nos mesmo quando nos solta. A bicicleta também voltava e assim era que nunca paixão alguma se sobrepunha ao refúgio do vento.

A bicicleta e o Verão eram os sinónimos da minha casa. A liberdade de correr o mundo às gargalhadas e de regressar sempre ao cheiro quente do Alentejo.

segunda-feira, dezembro 7

Come back kid

Parece que de dois em dois meses, lá venho eu outra vez. Vamos a ver se nos entendemos: não estou zangado com a escrita, não estou aborrecido com o estado geral da nação, nem se trata de não encontrar motivos para escrever. O motivo é bem mais simples e corriqueiro. Pois, é a preguiça. Vá, também posso dizer que não tenho tido muito tempo para me dedicar a isto das letras e muito menos ao universo blogarístico. Ele é o trabalho, a miudagem, a família, a namorada... (esperem, isto soou mal. Analisando gramaticalmente a frase poder-se-ia argumentar a favor de uma elipse e logo que a mesma esconde a afirmação "ele é a namorada". Ora, nesse caso, quero dizer que o eu autor não subscreve todas as afirmações do eu narrativo.)
Voltando ao que interessa, o tempo raramente serve de desculpa. Ainda agora estou para aqui às voltas a preparar mais uma apresentação académica e mesmo assim toma lá dois dedos de linhas. Não me tem apetecido, é o que é. E hoje apeteceu-me.
"Apeteceu-me escrever" é uma daquelas declarações de quase anti-profissionalismo. A escrita não é de apetites. É coisa de muito trabalho e dedicação, coisa para suar e para nunca desistir. Sendo assim, resta-me antes declarar mais respeitinho pela senhora, isto é, pela escrita. Prometo pois que hei-de cá estar mais vezes. Se não voltar entretanto, já sabem: vemo-nos daqui a dois meses.