quarta-feira, janeiro 27

Lógica aérea ou o Portugal dos pequeninos

27.02.2010


Veio a público esta semana que dois funcionários da TAP trocaram mensagens no Facebook sobre uma alegada falta de consideração. Qual foi a falta de consideração? Alguém – um dos funcionários – viajou em classe económica quando costuma viajar em primeira. Porquê? Porque os familiares de um outro funcionário iam em primeira. Então, isto não pode ser. Vai daí, o funcionário despeitado troca as referidas mensagens no Facebook com um outro, quiçá movido por desavenças passadas, que isto um homem ofendido na sua honra não esquece nunca. As mensagens no Facebook, porém, atiram impropérios tais como “atrasados mentais”, “merdosos” e “trastes”. E rebenta a bronca. As mensagens são “apanhadas” e toda a gente fica a saber. Administração, imprensa, portugueses em geral. É surpreendente que tal aconteça, quando se sabe que o Facebook é uma rede discreta e com poucos utilizadores. Mesmo assim, aconteceu e, por isso, resolve a administração da TAP aplicar alguma espécie de sanção (afinal, isto é uma empresa, não um grupo de amigos de escola com arruaças próprias da idade). A sanção é uma formação sobre ética profissional. Uma semana de formação, para a rabecada ser ligeira. Mesmo assim, há aqui um travo, ainda que ligeiro, de humilhação. Resultado: os funcionários recusam. Mais, ameaçam. Se a coisa for avante, fazemos greve. Ou seja, agora estamos aqui: a companhia pode parar serviços e passageiros ficarem em terra. Pode prejudicar-se a gestão da empresa que, como é sabido, há muito tempo não respira propriamente saúde.

Ponto da situação, só para ver se percebo bem: alguém considerou-se tratado abaixo da sua patente, talvez movido por uma certa invejazinha. Esse alguém, sem ninguém lhe pedir nada, comenta o facto publicamente na maior rede social da Internet e insulta quem o destratou. A coisa torna-se verdadeiramente social e há mais colegas a participar na arruaça. São todos apanhados. Um dos visados começa um processo-crime contra quem o insultou. Alguns colegas, solidários, ameaçam greve. Ou seja, por lógica sequencial, um funcionário não viajou em primeira classe e é possível que dezenas de pessoas não possam viajar, ou podem perder-se milhares numa empresa que respira (ou vai respirando) com dinheiros públicos.

Entenda-se: não tenho nada a ver com a TAP e sei que sou apenas um leitor de jornais a ver muito de fora um caso vagamente insólito. Agora, não deixa é de ser um excelente exemplo das graças que só Portugal tem. Mais, é preciso ter cuidado. Com a chegada das redes sociais na Internet, convém lembrar que a mesquinhez e a inveja são agora mais difíceis de manter em segredo. Falar mal dos colegas nas costas, assim como falar mal de tudo, é assim uma espécie de instituição nacional. Mas seja cauteloso. Nunca se sabe quando é que as costas podem aparecer no ecrã do seu computador.

quinta-feira, janeiro 21

O país sem memória

Momento em que Cavaco Silva condecora Santana Lopes com a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. Ou o momento em que Santana Lopes se prepara para apoiar Cavaco na corrida à presidência. Ou o momento em que o país sem memória parece rir-se de si mesmo. Ou o momento em que o país sem memória é um país sem memória.

segunda-feira, janeiro 18

Crónica confusa

(ou considerações mais ou menos disparatadas de um mau leitor de jornais à deriva no mar de informação)


A propósito do terramoto no Haiti, o casamento entre homossexuais foi aprovado. Depois do vendaval da zona oeste, parece que Manuel Alegre se vai mesmo candidatar à presidência. Marques Mendes é que pode estar de regresso à presidência do PSD, apesar do empate no Dragão frente ao Paços de Ferreira. Já Liedson regressou em grande, com dois golos a fazerem esquecer que os combustíveis em Portugal são dos que mais aumentaram no espaço da União Europeia. Acima da média europeia está o risco de pobreza em Portugal, mas a Organização Mundial de Saúde está firme na convicção de que tivemos sorte com a Gripe A. Sorte foi o que não tiveram vários ministérios em Kabul, Afeganistão, depois de vários ataques suicidas, o que não invalidou que Avatar tivesse sido o grande vencedor na noite dos Globos de Ouro. Espectacular foi também a redução de 40% (quase 900 milhões de euros) na adjudicação do TGV entre Poceirão e Gaia, embora tenha sido Ali Agca a festejar, depois de 29 anos de cativeiro, a sua libertação de uma prisão em Ankara. Quem continua refém da justiça portuguesa é a Casa Pia, sabendo-se agora que afinal os jovens que acusaram Paulo Pedroso não vão a julgamento, mesmo depois da escolha para vice-presidente do Banco Central Europeu ter sido novamente adiada. Adiado continua também o sol, não se prevendo quando possa fazer o seu regresso, ao contrário da direita do Chile que, pela primeira vez desde Pinochet, se prepara para ganhar as eleições. Nada disto parece afectar os técnicos de saúde, os quais mantêm as suas intenções de greve para Fevereiro, já depois do lançamento do iTablet, o novo gadget da Apple. Já o Facebook parece ter alguns problemas de privacidade a mereceram novas definições on-line, o que não é o caso da comunidade gay Bear, cada vez mais em força no nosso país. O nosso país é Portugal e como o Benfica voltou a golear, parece que nem tudo vai mal.

quinta-feira, janeiro 14

Inverno


O Inverno chateia-me. A chuva, o frio, o trânsito medonho, a falta de luz, a falta de tempo e o ar encafuado das pessoas. Chateia-me, pronto. Fico desanimado. Nada a fazer. Sento-me no gabinete, na secretária lá de casa ou mesmo no café e fico à espera que passe. Vou contando os dias. Já só faltam dois meses e meio, a Primavera não tarda, vais ver. Pois. Mas entretanto, há que aguentar. Trabalho mais e trabalho demais, para ver se o tempo passa mais depressa e o ar começa a aquecer. Em vão. Na manhã seguinte, lá está ele outra vez, o Inverno, a gozar com a minha cara de veraneante órfão.

Pior ainda são as saudades. As saudades das esplanadas e do azul do rio ao fim da tarde, das miúdas mais bonitas e das noites mais compridas. Saudades das viagens à vontade e do tempo para fazer o que não se pode fazer no Inverno. Vejo e revejo fotografias, a ver se pelas cores reencontro o cheiro do vento quente que sopra quando estamos no campo e é Verão.

Só que agora não é Verão. É Inverno e as fotografias não trazem de volta os cheiros nem muito menos as esplanadas.

Restam os cinemas e os restaurantes em tom acolhedor, os cafés quentes enquanto a chuva escorre nas vidraças e as vozes se amontoam no ar. Resta o fogo da lareira e os livros e jornais por debaixo dos cobertores. Restam as noites enroscadas em abraços e os fins-de-semana inteiros no sofá. Resta o Inverno com tudo o que tem de bom. Mesmo chateado.

sexta-feira, janeiro 8

Adeus a um amor distante

Há mortes que nos custam sem que saibamos muito bem porquê. Nunca a conheci pessoalmente e nem sequer a vislumbrei alguma vez ao vivo e em pessoa. O melhor que lhe conhecia era a sua voz. E a sua música. Tinha uma vaga ideia da sua história. A sua educação errante, as suas origens distintas, o seu poliglotismo. De resto, mais nada. Não faço ideia de que assuntos gostava de conversar, quais as suas opções políticas, qual o seu lugar favorito, a sua infância mais marcante, o que amava e quem amava. Sabia muito pouco sobre ela e mesmo da sua música tinha um conhecimento limitado. Conhecia-lhe dois álbuns de originais completos e nem sequer imaginava que tivesse já um terceiro, editado há pouco mais de seis meses.

Conhecia-a em Marrocos, a caminho do deserto. As suas canções falavam de estradas e de países distantes, de partidas e chegadas, de amores vindos e desavindos. Sozinho, com a velha mochila de sempre, era a sua voz que me fazia companhia enquanto vivia a entrega absoluta ao divino da errância. Quando cheguei ao deserto, fiquei no silêncio, mas era já a ela que escutava quando queria ter música em mim. Depois, continuou sempre comigo, viajando a meu lado, conversando em palavras que pareciam feitas à medida dos momentos. Algum tempo depois do deserto, cheguei à América Latina. E ela lá estava, como se o seu canto fosse os meus passos. Os locais falavam uma língua que corria solta como uma criança e eu apaixonei-me. Caí de amores pela alegria que estalava entre as sílabas. A língua que as gentes falavam era a língua que ela cantava, e isso só serviu para que me apaixonasse ainda mais pela mulher que trazia sempre comigo desde o deserto.

Lhasa de Sela morreu na primeira noite do ano. Não a conhecia, por isso não sabia que lutava há já muito tempo com um cancro. Quando li a notícia do seu desaparecimento, senti o choque que é próprio das mortes que não esperamos. Não sei porquê, mas tive vontade de a abraçar para me despedir. Dizer-lhe que, mesmo não a conhecendo, a sentia muito próxima. E que descansasse. Porque a sua voz e a sua música hão-de continuar a viajar para sempre. Nem que seja na mochila de um qualquer viajante solitário a caminho do deserto.

O que mais gostei de ler no jornal hoje

Uma ideia para Portugal

"Um país que diz sim à primeira, em vez de um país que começa sempre por um não, e que depois de muita insistência, que só alguns fazem por cultura ou capacidade, diz, só se..., e afinal era facílimo! Um país movido por ambição e brio, em vez de um país movido por ódio e preguiça. Um país em que queremos ser melhores e fazer melhor que os outros, em vez de um país onde só queremos impedir que façam porque não estamos para fazer. Um país onde as coisas acontecem e todos estão orgulhosos porque contribuíram para que as coisas acontecessem. Um país que sorri."

Pedro Seabra, Presidente da CB Richard Ellis Portugal, in Jornal i, 7 de Janeiro de 2010


segunda-feira, janeiro 4

Impressão da realidade

Dos anais da revista American Photo, retirei esta preciosidade. Ganhou um dos prémios de melhor imagem do ano na categoria de Student Work. O autor, Sean Dufrene, fotografa o seu próprio pai de 71 anos e afirma que a imagem não anda muito longe da realidade, na medida em que este é mesmo assim "uma espécie de cowboy". Ou seja, como sempre, a realidade supera a ficção. Uma verdadeira obra de arte.


http://www.popphoto.com/Galleries/American-Photo-Images-of-the-Year-2009/Student-Work-Category-Winner-Sean-Dufrene