Where are you from?
Quando se viaja, o mais natural que possa suceder a um viajante é encontrar outros viajantes, é conhecer gentes de outros lugares, é dar de caras com outras culturas e modos de ser. Ao viajar pela Índia, são dadas ao viajante duas oportunidades: conhecer e contactar com as pessoas dos lugares por onde vai passando e, ao mesmo tempo, encontrar e conhecer outros que como ele deixaram o conforto dos seus lares e se resolveram à aventura de deambular pelo segundo país mais populoso do mundo. Todas estas assunções são certeiras, quer se trate da Índia, da Austrália ou do reino da Conchichina. O que é dado curioso e presentemente retratado é a forma como esse conhecimento é travado, o modo como é a feita a abordagem ao viajante entre viajantes.
Ao passear pelas ruas de Delhi, Agra ou Varanasi, o que é assaz frequente de acontecer ao forasteiro é ser sistematicamente bombardeado com questões e solicitações por parte daqueles que, ciosos do seu ofício, buscam a oportunidade de negócio. Então é o festival do costume: “Rickshaw, sir?”, “Change Money, sir?”, “Where are you going, sir?”, “Bus? Train ticket? You want taxi? I’ve got nice boat, sir...” entre outras, muitas outras supostas ofertas. Posto isto, fica a faltar a abordagem geral, aquela comum a todos os autóctones, sejam eles homens de simples negócio ou meros curiosos das caminhadas alheias. “Where are you from?” dizem todos eles em uníssono. Para os primeiros é óbvio o propósito da pergunta. Trata-se apenas da primeira que lançará o isco para as que lhe hão-de seguir, já com os cifrões e os zeros à vista. Para os segundos, porém, trata-se meramente de um modo de aproximação, um modo de, por assim dizer, “quebrar o gelo”, “meter conversa”, uma forma de dizer “olá, até estou mais ou menos curioso por te conhecer.” Aqui começa a comichão de perceber porquê, mas o que é facto ainda mais curioso é que este fenómeno é igualmente extensível a todos os viajantes, venham eles de que canto do mundo vierem. Tanto mais que esta pergunta antecede por largas margem muitas outras, como por exemplo “What do you think about India?”, “How do you feel about India?”, “Where have you been in India?” ou mesmo, e o que é extraordinário, um simples “What’s your name?”. É como se o primeiro factor de identidade, aquilo que pode dizer alguma coisa sobre nós próprios ao nosso interlocutor, fosse esse conjunto de letras na capa de um qualquer passaporte. Como se ser português, inglês, espanhol ou neo-zelandês quisesse dizer alguma coisa de concreto com respeito ao que cada um é.
As fronteiras entre países, já lá dizia John Lennon, não passam de conceitos criados pelo homem. É certo que uma cultura sempre influencia um indivíduo, e que uma cultura é sempre parte de um país ou conjunto de países. Porém, mais certa ainda é a evidência de que existe de tudo um pouco por toda a parte. Pessoas afáveis, interessantes, arrogantes, medrosas, estúpidas, inteligentes, sensíveis… enfim, bestas-quadradas ou corações de ouro. Se assim não fosse, e suponha-se que os portugueses são todos uns amores de pessoas, que maravilha seria viver em Lisboa! Por outro lado, suponha-se que os húngaros são todos uns idiotas, quão difícil seria o dia-a-dia em Budapeste.
Por mim, melhor seria que mais gente me perguntasse o que gosto e o que sinto, quais os momentos mais marcantes da minha viagem, mais gente a contar-me anedotas ou a ensinar-me novos jogos de cartas. Melhor seria que também eu eliminasse tais barreiras, que sentisse mais os outros e que mais por eles fosse sentido, em vez deste aborrecimento de nos inquirirmos uns aos outros sobre a marca de fabrico escrita na etiqueta dos nossos seres. Assim não sendo, resta-me ao menos invejar os japoneses. A eles ninguém lhes pergunta de onde são.